"Cara, hoje eu quero dar o cu" | Do Amor #25

Não foi uma coisa de acordar e "cara, hoje eu quero dar o cu". Quando chegou o carnaval, pus-me a pensar nas possibilidades. Adorava a folia, estava embrenhado em uma tradição de ir para as ruas do Rio de Janeiro atrás de bloco e diversão. Era craque em fantasias, já me vesti com quase roupa nenhuma, já fui pra rua com trajes de mulher, já fiquei parecido com brincadeiras da Internet. Teve ano que me diverti com os amigos, houve feriados que passei todo na caça, atrás de mulher e perdição. O carnaval era, para mim, o momento de provocar novas sensações.

Neste ano, estava sem ideias. Não queria dar prosseguimento com nenhuma das propostas batidas que me deram. Não queria, também, repetir as alternativas de viajar, ir para algum lugar tranquilo ou fazer a mesma coisa, mas em outra cidade. Já estive em Salvador, fiz a dobradinha de Olinda e Recife. Bloco, trio, desfiles, eventos. Não era disso que eu estava atrás. Faltava frescor nas ideias, nas intenções. O que eu nunca tinha feito antes?

Daí que me veio a ideia de dar o cu pela primeira vez. Claro! Carnaval é a época perfeita pra isso, não precisa de arranjos, não se faz necessário um projeto complexo, um tipo de fala específico para eu explicar que não se trata de afeto ou mesmo de sexo. Também não seria uma coisa de aposta, de se superar, de ir onde ninguém iria. A ideia veio como curiosidade mesmo. "Como será que é sair pro carnaval, encontrar um cara que queria sair comigo e dar o cu pra ele?". Fiquei matutando qual seria a vibe, como teria de ser o equilíbrio entre o ir atrás e o deixar se notar por alguém que se interessasse por mim. Eu não tinha habilidades adquiridas e não queria estragar esse aprendizado perguntando a algum amigo que gosta de meninos. "Será que um cara gay pegaria um hétero curioso?" e muitas outras perguntas que só me deixavam mais empolgado. "É isso. Nesse carnaval, vou sair sozinho e encontrar alguém pra eu dar o cu".

E que confusão. As questões se provaram serem bem complexas mesmo, eu não sabia direito como agir de outra forma que não fosse botar os olhos em mulheres, não tinha traquejo para atrair homens, não sabia com quem falar ou o que fazer. Mas estava em êxtase atrás do comportamento perfeito. Troquei olhadelas com um garoto forte, gostoso. Ganhei uma secada e o saradão veio em minha direção. Me tascou beijo com uma língua grossa, preocupada em explorar minha boca. De olhos fechados, a coisa ficava mais confusa, minhas memórias eram sempre de mulheres, mas não havia seios para apertar, para sentir contra meu peito, não tinha bundinha delicada para eu levantar, só um par de músculos bem tesos. Mas o garoto foi embora do mesmo jeito que veio. Carnaval não é lugar de beijar e não largar mais. Fui descobrindo isso conforme a noite ia chegando. Nada de alguém querer comer meu cu.

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A derrota. Entrei num botequim e pedi a saideira, uma cachacinha pra queimar e uma cerveja pra consolar. Liguei para um amigo pedindo abrigo. Minha casa estava distante demais e uns quarteirões me separavam da casa de um bróder. Poderia descansar lá. O único quesito seria ter que dormir na sala, pois a casa estava abrigando uns primos de São Paulo. "Sem problemas", eu disse.

Cheguei e me esparramei no sofá. A casa do amigo estava em silêncio. Queria respirar um pouco e dar descanso para as pernas antes do banho. "Deve ser uma merda dormir nesse sofá, hein". Não dava para reconhecer a voz porque não me lembrava nem de termos conversado, mas meus olhos abertos capturaram rápidos o rosto do garoto que me agarrou há algumas horas. Estava parado no batente da porta da sala só de samba-canção.

"Vem. Bora dormir aqui no quarto", disse com aquele sotaque forte paulista.

Como não amar o carnaval?

Jader Pires