Ela levou seis meses pra pegar o cara só pra não machucar a amiga | Do Amor #81

O calor dentro daquele carro, com os vidros fechados e a movimentação intensa, até fez com que sua memória buscasse a lembrança da primeira vez que se viram. Foi num abafado e falecido bar de motoqueiros que tinha lá na cidade deles. Para uma primeira balada, seu debute de sair à noite com a amiga e o namorado da amiga, um boteco de motociclistas, escuro e calorento parecia o roteiro perfeito para uma furada. Mas até que deu certo.

O namorado da amiga tinha uns conhecidos que ela se deu bem logo de cara, amigos de tempos que se juntavam para beber e rir um pouco, fazer umas pequenas farras todos juntos. Estavam lá e foram apresentados para a nova integrante do grupo. Beijinhos no rosto, sorrisos, umas piadas para fazer ela se sentir mais próxima. Música, dancinhas, brincadeiras. Algumas cervejas. Muitas cervejas. E daí uma coisa meio Chico Buarque aconteceu. Sabe o “Carlos, que amava Dora, que amava Rita, que amava Dito, que amava Rita”? Ela achou o amigo bonito, que achava ela bonita, mas o amigo do amigo achava ela linda, sendo que, nesse caldeirão, a amiga dela ainda achava o amigo do amigo o cara mais bonito. Mais que o namorado dela.

Rock n’ roll, sinuca, olhares mil, calores dos tornozelos à nuca. E só. Todo mundo foi embora com alguém na cabeça.

Mas tudo sempre tem uma segunda vez. Ainda bem. Dessa, ela e a amiga, sem o namorado da amiga, foram fazer aulas de dança de salão com o amigo e o amigo do amigo. Justo os dois caras que ela achou gatos. E foi o riscado no recinto, zanzando e bailando, que deixou todo mundo apaixonado. Nessas tardes de gafieira, ela foi se aproximando do amigo e, mais ainda, do amigo do amigo, que sempre reclamava que ela não o deixava conduzir. “Quer você ser o homem do par?”, ele questionava entre uma cantada sutil e outra. Elogiava o sorriso dela e pedia para ver os olhos pequeninos por trás dos óculos. De pouco, a cada aula rodada, ele se mostrava mais fofo e gentil, fazia dos momento umas horas gostosas para conversar e para ficarem olhando um para o outro. As pernas dela foram ganhando pequenas tremidas, foi dando nela umas vontades. Mas tentava ser educada e dizia que não de maneiras elegantes. Precisava sentir o terreno.

Saindo de uma das primeiras aulas, já mais entregue, comentou com a amiga que, na verdade, mais do que se interessar pelo amigo, foi o amigo do amigo que fizera com que as coisas estremecerem dentro dela. Tava achando que tava ficando afim. Pediu o telefone dele para a amiga, que ela pegasse com o namorado dela e estranhou quando o número chegou só coisa de dias depois. Ma tudo bem. Passou a conversar com o amigo do amigo também por mensagens, uma troca interessante que deixava seu dia mais gostoso. Comentou isso também com a amiga, um dia, no banheiro, que começou a se interessar mais pelo amigo do amigo e não pelo primeiro amigo, de como as cantadas dele estavam lhe fazendo bem, de como estava começando a cogitar uma ideia de, talvez…

“Nem fodendo”. As palavras saíram da boca da amiga feito pequenos foguetes para uma revelação bombástica. Acontece que a amiga estava querendo, muito, o amigo do amigo. O amigo do amigo que era amigo do namorado dela. O amigo de todos os amigos da turma. Caidinha, querendo mesmo. Tentando, até. Sente a explosão. Enquanto ela estava interessada, a outra já vinha na fase dos desejos, dos processos para chegar lá. Uma coisa maluca, mas que, como amiga da amiga, não poderia deixar que ela se levasse pelos impulsos. Se a amiga gosta tanto, não seria ela um impeditivo.

E seis foram os meses. Como um pugilista defendendo o cinturão, ela aguentou de pé. Um semestre tomando pancadas, segurando ímpetos, desarrepiando quando ele contava coisas gostosas no ouvido dela dançando, segurando risadas quando ele fazia alguma piadinha que culminava em indiretas para ver se ela o notasse. Ele provocava e ela refutava. Ele pedia, ela negava. Na dança, ele tentava. Nos churrascos da turma, ele tentava. “Dança comigo? Senta aqui do meu lado”. E ela não podia. Podia mas não queria. Queria, mas achava por bem não fazer. Mas, né. Tentação. Seis meses. Até que caiu.

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Ainda bem. Teve um dia em que ele fez porque fez até dar carona para ela. Saíram da aula, em que todo mundo faltou, menos os dois. Passariam na casa dela para um banho – não juntos, que fique claro. Não ainda, que fique claro também – e depois na dele para outro banho – vocês já entenderam a parte do não juntos, né? Não, ainda, né – e só então, juntos, não no banho, no carro dele, rumariam para a festa com todos os colegas etc. e tal. Duas quadras antes, ele freia bruscamente. Rua vazia. Não tinha risco de acidentes. Não parou porque precisava. Estacionou porque queria. Lá dentro, só os dois, pertinho do festejo, ele fechou os vidros e perguntou porque diabos ela não dava bola para ele, porque raios não havia a aproximação. Explicou que, toda vez que ouvia da boca dela o não, percebia com clareza os olhos dela dizendo que sim. E que isso tava deixando ele doido sem saber pra onde correr, que se ela não quisesse de fato ele já teria seguido com a vida, mas que, naquela indecisão, ele tava passando por meses de agonia e desespero. Sem explicar muito, dentro daquele carro quente pra caralho, ela empurrou seu corpo para frente e, espiralando os braços em volta dele, puxou o primeiro beijo.

Sim, eles se pegaram bons minutos. Deixaram as palavras de lado e tiraram um atraso semestral, gostos e gestos, descrições que talvez aqui não caibam. Mas foi bonito. Foi urgente. Disso sim, só daí então, puxando o ar e retomando a razão, ela pôde expor seus receios, ele abriu que sabia do fato, ambos arrumaram as narrativas e o resto, ah, o resto é história pra boi dormir. Importante mesmo é saber que aquele calor do carro ainda tá acontecendo, agora livre, já sem razão de ficar segurando.

Apaixonados, né.

E sim. Eles já tomaram banho juntos. Não naquele dia. Depois.

Mas a gente vai fingir aqui que ainda não. Tá?

Jader Pires