A lâmpada

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Meu tio Wilson tinha dinheiro guardado dentro de uma estátuazinha daquelas de gesso. Era coisa pouca, para o caso de ele morrer subitamente e não se tornar, da noite para o dia, incômodo para a família. Estava lá, então, a pequena reserva para os afazeres de um funeral singelo.

A Neide, que trabalhava comigo quando eu ainda era bancário, dizia toda orgulhosa nunca ter deixado conta alguma atrasar, porque tinha sempre um dinheirinho pingado em moedas dentro de um pote de vidro na cozinha. Troco da padaria, restinho do mercado, o que voltava do lanche das crianças na escola, tudo ia parar no pote de vidro e, quando precisava interar nas contas de casa, lá estavam as moedas. Tem quem guarde grana para não sofrer na velhice, há quem se programe para viajar todos os anos, pessoas arreliadas com a imprevisibilidade da vida, que buscam estar preparadas para inconvenientes.

Não quando se trata de uma lâmpada queimada.

Nem meu tio e nem a Neide, não há Cristo que precise se prevenir de um acontecimento desse. Aos que estocam lâmpadas extras dentro de casa, vocês estão deixando de aproveitar uma das lições mais interessantes da vida. Eu, particularmente, fico numa alegria só. Primeiro a constatação, a fragilidade. Lá se foi uma parceria de quinze mil horas e não é caso de ajuste, conserto, gambiarra. Acabou-se, amigo. Acostume-se. 

Disso, os anseios. Cara, que deleite chegar no mercado com a incumbência de fazer o certo, de equilibrar todas as dores do mundo. Tecnologia, meio ambiente, potência, cor, preço. Lâmpadas cada vez mais inovadoras que prometem cada vez mais resistência que promovem cada vez mais benefícios que garantem cada vez mais economia. Jurariam de pés juntinhos, se isso elas tivessem, que vão deixar o recinto uma delícia. Minha mulher tem uma tia, a tia Délia, que usa umas lâmpadas fraquinhas em casa, um amarelinho todo desbotado que tira até o ânimo. Tem um vizinho aqui que diz comprar qualquer uma, “vai daquelas baratinhas mesmo”, aquelas que vêm com a proteção quadrada de papelão e chupa energia do prédio todo, do Xingó todo, Itaipu chega que fica toda cansada, bichinha. Não dá, faça-me o favor.

Depois da escolha certa, claro, nunca se erra nesse momento, a aventura da troca. Escada? Não. Vamos fazer isso direito. Vai cadeira da cozinha e depois o banquinho que fica na sala, chinelos no chão, um móvel em cima do outro, sobe-se mambembe a primeira etapa, equilibra-se como pode na segunda, respiração travada dentro dos pulmões, a vontade de fazer. Retira-se a heroína de tantas leituras, das tantas conferências da tranca da porta estar realmente virada e abre-se caminho para o novo agente da cintilância, da luminescência. A incerteza ao descer. O interruptor, quando cutucado pela última vez naquele vai e vem que denunciou a falta de luz, ficou parado no ligar ou no desligar? A lâmpada pode ficar brilhante na sua mão ou tem trocas que ainda há a descida receosa, meio afobada.

E depois, o sorriso do vitorioso. Tudo voltou ao normal e mais uma vez foi vencida a treva. Acende e apaga. Acende e apaga. Mais umas duas idas ao cômodo ainda trarão uma satisfação abundante de quem fez o certo. Depois é sentar-se na sala e remoer a frustração. Acabou a nossa importância. Agora é entre a lâmpada e a fiação elétrica.

Aquele restolho de arroubo e a futura indiferença. Desbarato, desilusão, uma sensação de inutilidade. No fim, o velho questionamento se a vida vale mesmo a pena. Baita lição.

Jader Pires