A mulher grávida

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Quando a gente leva o músculo à exaustão, ocorre uma fadiga gradual das fibras musculares envolvidas nesse esforço ao ponto de o corpo não conseguir mais substituí-las. É nessa hora que a força falha e não se consegue mais executar o movimento imaginado. Ela tinha lido algo sobre isso uma semana e pouco antes, em um daqueles folhetos que vêm junto com as embalagens de suplemento alimentar que o namorado compra. Eles estão morando juntos há algumas semanas apenas, juntaram as escovas de dente pouco depois de saberem que ela estava grávida.

Mas, nesse momento, ela não consegue pensar onde ele está. Há poucos segundos era o que se repetia em sua cabeça em loop, “porra, cadê ele, porra cadê ele, aparece, porra”. Mas agora tudo o que ela consegue se lembrar era da merda de folheto explicando sobre o esmorecimento dos músculos depois do esforço profundo e contínuo. Era o que seus dedos estavam fazendo, lá, pendurada na janela do terceiro andar da casa de shows. Ouviu os tiros, viu a confusão instalada e correu. Pensou ser instinto de mãe, a necessidade de sair de lá sem traumas no ventre recém habitado. Subiu as escadas, achou uma saleta e fechou a porta. Mais barulho, gritos, estampidos. Sabia que não seria aquele laminado de madeira que impediria a passagem de quem quer que usasse de um mínimo de violência contra ela. Viu a janela e saiu.

Não tinha como subir, nenhuma ferramenta lhe daria tal acesso. Pendurou-se no intuito de saltar, mas não podia pular lá embaixo porque levava outra pessoa dentro de si. Lá, suspensa no terceiro andar, agarrada apenas com os dedos no parapeito, sentiu o cansaço imediato das falanges, o amolecer do mindinho, primeiro a não suportar. Embaixo estava o inferno. Pessoas corrriam ensanguentadas, pessoas carregavam outras pessoas feridas. Rastros, gemidos de angústia, o desespero. Foi quando ela percebeu que não queria mais descer, mas era tarde e seus braços não tinham força para tornar a subir pela janela. Lembrou-se do informativo sobre musculação justamente nesse momento. Tinha a certeza que iria cair. Apelou para a única afirmação que julgou poder salvá-la e salvar aquela outra vida ainda em formação. “Estou grávida”, gritou e tornou a repetir em vol alta e mais uma vez.

Gritou e gritou, pensou estar há horas pendurada, mas foram alguns segundos que nem você e nem eu jamais saberemos do impacto. Sentiu no pulso os dedos de outra pessoa, esses com força o suficiente para puxá-la de volta para dentro. Não eram os assassinos, não eram os terroristas.

Ela estava salva. Seu bebê também.

Obs.: essa história foi escrita inspirada na cena da francesa grávida nos recentes ataques dos terroristas do intitulado Estado Islâmico ao Bataclan, em Paris. Nao se trata de um escrito noticioso e nem verdadeiro, mas apenas um olhar completamente ficcional do drama gravado em vídeo e amplamente divulgado. Qualquer semelhança com o fato real é mera coincidência.

Jader Pires