A vida e o tempo
Ao tentar atravessar a rua, não conseguiu. Tentou tirar um pé do chão mas o peso lhe impedia. Era a vida levando o tempo nas costas. Pediu para trocar de posição, talvez, assim, conseguisse com que fosse feita a tão desejada locomoção. E o que se viu foi vida boa, sentada no lombo do tempo. Mas nada aconteceu. Querendo fazer o trajeto para frente, claro, o tempo nunca anda para trás, não deu. Mesma situação, do mesmo jeito e pelo mesmo motivo. Não atravessou porque nem tirar a sola colada no chão conseguia. Olhando para baixo, reparou que era o mesmo tênis que antes estava fincado na calçada. Olhou para cima e viu a mesma figura que antes estava empoleirada nas costas.
Não demorou para perceberem que um era outro enquanto o outro era esse um. Vida e tempo, mesmo corpo, um sendo o outro, os dois sendo uma só coisa. "Mas claro", disseram juntos, "mas a vida é justamente o que fazemos quando se começa a contar o tempo, até que ele se acabe, quando vida já não há. E só assim, juntos e sincronizados, é que ambos funcionam. Mais ainda! Que ambos existem.
E assim, coincidentes, concomitantes, sincronizados, é que poderiam, enfim, chegar ao outro lado. Ao fim de tudo.
E assim foi. Cruzaram a faixa com o sinal fechado e morreram, como haveria de ser.