Apetites

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Depois de dias trocando mensagens, decidiram se encontrar num bar que conheciam em comum. Tudo normal, aplicativo de encontros, bateu os amores, a conversa não foi boba, riram um pouco e na tarde seguinte deu vontade de mais.

Daí, sentados, ele aliviou as pernas que na primeira meia hora estavam travadas nos pés da cadeira. Pudera, o que não faltava era anseio em que resultava em conversas caladas, desconforto. “A gente bota fé demais”, ele disse rindo. “Ou trabalha de menos”, ela refutou como quem enfrenta só pra ver onde vai dar, cruza os braços mas faz bico que não segura o riso. Nessa hora ele tranquilizou as panturrilhas e se aproximou, com cotovelos em cima da mesa e tudo.

Nos falantes tocava o disco novo do Frank Ocean, bem na troca da guitarra solitária de Ivy pro piano de Pink + White. Eles tinham trocado esses sons, foi o que fez verem similaridade o suficiente pra sair do Tinder e entrarem logo no Whatsapp. Tava rolando e eles sabiam. E é ótimo quando rola e a gente sabe. Esquece o jogo, a postura, a batata da perna se liberta e desliza procurando a outra debaixo da mesa.

“Nossa, já tá uma delícia assim e eu nem sei nada sobre você ainda”, ele soltou.

“Que enigmática eu sou, não? Uma delicia misteriosa. É como se você me colocasse na boca, como se dançasse com a língua me descobrindo tentando adivinhas os ingredientes. Se leva canela na minha receita, se leva nozes. Salivando e me curtindo sem saber direito como eu posso ser tão gostosa assim”. Ela fala tudo isso arrebitando o narizinho. Aprontando. Resta a ele a mão na testa, a incredulidade de quem escuta tudo esfregando a língua contra o céu da boca.

Esfomeados, trocaram sabores a noite toda.
 

Jader Pires