Ainda é 2016?

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“Caralho, desde quando eu tô dormindo?”, inquiriu como se houvesse alguém por perto para lhe responder. Vestido todo de branco, pegou no espelho instalado na sala para dar maior amplitude no pequeno apartamento a própria imagem em forma de “s” jogada na poltrona. Em cima das pernas, uma coberta amarela de tom bem saturado jogada por alguém que provavelmente ficou com dó da pobre figura torta e tediosa em sono profundo.

Acontece que no meio da tarde acabou rolando, por imprudência de final de ano, uma mistura poderosa de álcool com remédio, uns relaxantes musculares que tentavam sossegar a fisgada que lhe dava no ombro já há alguns dias e não seria essa dor que o tiraria de campo bem na festa de ano novo. Só que, mistura bebedeira com medicamento que proíbe o usuário de manusear empilhadeiras e máquinas agrícolas e dá nisso. Apagou.

O grande problema é que o César despertou já depois da contagem regressiva, até depois da queima de fogos. Sem sua presença consciente no réveillon, ficou preso em 2016. Não que tivesse percebido de cara, a ideia era se levantar e curtir o resto de noite que ainda havia para se divertir. Mas foi logo depois de se juntar com o pessoal e pedir licença para pegar mais uma cerveja que tudo começou a se encaixar. Enquanto todos estavam felizes, bem ele, que como toda e qualquer pessoa, reclamou do último ano como se fossem os últimos 365 dias culpados por todas as cagadas em nossas vidas, pegou uma latinha quente, “a única dentro do baldinho geladinho cheio de cervejas geladinhas”, ele disse estranhando a discrepância de temperatura entre o seu recipiente e os demais.

E foi problema atrás de problema. Nos dias seguintes, a praia fazia sol para todo mundo, menos para ele, debaixo de um céu leitoso e abafado. A areia era quente e a água fria, a porção de camarão era mais cara se fosse ele a pagar, nenhuma mulher lhe dava bola, seu carro estava sem gasolina para subir a serra e com a lanterna quebrada, rendendo multa ao ser parado, claro, por policiais atentos na rodovia. Justo ele, logo ele.

Todos os que passaram pela fase da reclamação tiveram um 17 intenso e interessante, com gosto, trapalhadas e luto, claro, haveria de ter, mas dias gostosos e comuns, como precisa ser.

Menos o César. Ele não ultrapassou essa fase e ficou preso para sempre em 2016. Reclamando de tudo.

Jader Pires