Cinquenta

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Cinquenta edições depois, os bêbados que frequentam o Andorinha, o bar aqui em frente de casa, continuam afundando o olhar nas águas turvas e ardentes do rabo de galo, mas eles não são mais os mesmos de cinquenta edições atrás. Alguns pararam de passar por aqui e outros são assíduos da birosca, mas as pessoas da Meio-Fio #01 não são mais as mesmas, nem eles e nem eu. 

Nem Vocês.

Sim, eles ainda aparecem por aqui meio sujismundos, daquele jeito que você sabe bem de quem já não tá mais tá interessado na estética, mas em quando vai parar a maldita tremedeira, só que tá tudo diferente. A banca ainda tá aqui do lado, desse lado da rua, onde estou sentado novamente, como precisava ser ao escrever uma edição comemorativa, assim, de fetiche nosso por números redondos, mas já não tem mais o casal que estava brigando naquela ocasião. Eles terminaram mesmo e ela foi embora de volta pro interior. Ele cortou o cabelo e passa por aqui de vez em quando, dá uma ciscada em frente ao bar e vai embora. Acho que ele quer esquecer de outro jeito.

O tio da revistaria passou por maus bocados, teve que operar de uma pedra no rim que foi parar no canal da urina. Tiveram que enfiar uma sonda pela uretra e “explodir” o pequeno rochedo em minúsculos cascalhos para poder ser retirado sem problemas. Ele disse que nunca passou dor igual e nunca mais iria descuidar da alimentação e perigar formar novos cálculos de cálcio. Mais desleixado e, hoje, cuidadoso e aconselhador da dieta alheia, o jornaleiro já não é mais a mesma pessoa também.

Por aqui parece tudo na mesma, a tiazinha com problema nas ancas ainda reclama da barulheira a rua, na outra esquina o gordão que vende churrasquinho de gato tá ainda cheio sorrisos. Reza a lenda que ele aprendeu uns golpes de krav magá e nunca mais levou calote. Tá rindo à toa. Até comprou o Passat rebaixado, com som e tudo, daquele babaca que passava aqui com o som no talo. Não atrapalha mais o sábado, babaca. Quase na esquina abriu, faz uns meses, uma loja de tatuagens, mas não vi ninguém entrando lá não. Continua passando ônibus e viaturas por aqui, de quando em quando, e agora uma menina de cabelo bem verde me cumprimenta quando passa a caminho da academia, presumo eu, porque ela tá sempre de roupa esportiva.

Tudo a mesma coisa, só que de um jeito diferente. Que nem quando quando a gente lê essas pequenas crônicas do cotidiano, vendo tudo o que a gente já viu, só que tudo diferente.

E eu sigo sentado aqui no chão, derrotado e na sajeta, olhando tudo de baixo para cima e fazendo, do meio-fio, meu reservado diário pro cotidiano.

Na rua. Fazendo das tripas, coração.

Obrigado por terem chegado até aqui.

Obs.: você ainda não leu a Meio-Fio #1? Pois tá aqui.

Jader Pires