O papo no bar
Tudo parecia tão certo, correto. Estávamos ali, exercitando a prática de inventar assuntos para perpetuar aquele estado a quatro: eu e ela, ela e eu.
E ela era tão mais quieta que eu...
Suas palavras deslizavam com uma serenidade de dar inveja. As frases iam sendo executadas com primor, alisando o ar com graça. Em contrapartida, eu despejava pensamentos impetuosos em uma tentativa de demonstrar o recente apego e uma inocente virtuose. Essa vitalidade se dava também como medida de combate diante da austeridade natural de quem acabou de me conhecer. Jogava com força para quebrar de início as barreiras de uma menina interessante.
Mal sabia ela que o que mais me atraiu fora a sua amabilidade no lidar com as coisas e não os delicados traços de sua feição. Não que ela precisasse necessariamente saber disso, ou melhor, não que carecesse ter esse conhecimento de modo direto, por alguma afirmação minha que pudesse fazer confundir sinceridade com hostilidade. Bastava um detalhe a mais, em meus atos ou na atenção dela. Alguma minúcia que indicasse: “ok, não é só mais uma pegação”. Eu nunca seria hipócrita de negar o incontestável, mas não seria eu a expô-lo quando o que dava graça na experiência dela daquela realidade era o jogo.
Mas o imediatismo em seu discurso foi tomando mais liberalidade e passei a ganhar maior desenvoltura, uma conversa mais apetecível, cheia de miudezas e afirmações mais aprazíveis. Enfiei delicadezas, um sorriso, dois elogios. Até que minha soltura culminou em um gracejo considerado… demais.
“O resumo desse encontro é mais que o meu rosto”, arremessou sem dó a mocinha que voltava a se retrair. Direto no estômago. Palavras medrosas me escorregavam goela abaixo e, na cabeça, só pensamentos monossilábicos se formavam. “Mas. Só que. É…”. Claro que, na minha idade, essas sensações ambientam por fração de segundo e a continuidade do papo se apresenta como o melhor contra-ataque.
Apanhei-a com explicações igualmente sinceras para deixar atestada minha curiosidade de saber mais daquela garota que ia se mostrando mais atraente. Só me intrigou o fato de minha própria atitude ter se voltado contra mim de modo tão torto. Pensei estar mostrando curiosidades maiores que as do encanto por aquele rosto lindo e acabei levando um rebote instintivo. Nada fora da normalidade, mas eu jurava que aqui batia um coração...