Teoria da calçada

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Parece bobo, mas um amigo me contou e deu certo. Eu testei.

Há, na vida em sociedade, o que eu chamo de pequenos poderes. Como vivemos cercados de regras que temos de obedecer dentro de hierarquias maiores e menores que precisamos saber equilibrar, temos nossas frustrações do cotidiano. Alguns engolem o sapo e seguem a vida, afinal, não é culpa de quem está contigo os esporros que a vida te dá. Mas há um outro grupo, esse bem específico, que adora aliviar as tensões e pequenos desgostos nos que, em pequenos recortes, têm menos poder.

Um exemplo bem bobo é o do chefe que discute em casa e desconta no funcionário. Um exemplo comum é o do segurança ou policial que trabalha um trabalho ruim, sob pressão, em más condições, mas acaba descontando as mazelas de um emprego ruim em algum pobre coitado que está abaixo dele nessa relação de poder, do trabalhador que só quer chegar em acsa e tem que parar numa batida demorada “porque é assim que funciona” ao garoto que entra no supermercado e é perseguido pelo responsável de “controle de perdas”.

O caixa do banco que faz as coisas na velocidade que ele quer só porque ele pode e, se não quiser pagar a sua conta que vence hoje, pra ele tudo bem. Você vai ter incontáveis situações. Sabe bem do que eu tô falando.

E tem o cara que anda na calçada. Ah, não seja esse cara.

A teoria da calçada consiste em perceber quem desvia de você na rua quando se está ou não prestando atenção. Se você pegar o seu celular e começar a falar nele, de verdade ou não, meio distraído, olhando as manchas escuras de chicletes pisados no chão ou contando janelas do prédio ao lado, vai perceber que todo mundo desvia de você automaticamente. Cortam pra um lado, viram-se pro outro, e você lá, na boa. É o natural, né?

Agora, experimenta fazer a mesma coisa, mas sem a distração. Andar el linha reta em uma calçada movimentada vai fazer com que você trombe com algumas pessoas, essas que querem exercer o micro poder que elas têm ao conceder para si próprios o direito natural de andar no espaço exato em que você está. Afinal, se você está vendo essa pessoa, para ela, é claro que você precisa desviar do caminho dela, que é muito mais importante que o seu. Mesmo ensaiando um desvio de leve para que, se for feito de modo mútuo, um pouquinho de cada, os dois passarão ilesos, a trombada ocorre porque, nessas condições, não há meio-termo, equilíbrio, auxílio do coletivo. “Eu passo. Você? Que se foda”. Dá pra ler nos pensamentos de quem endurece o ombro só pelo prazer da trombada, da “lição a ser dada”.

“Nunca mais esse fica na frente de alguém”, pensa o catequizador público.

Parece bobo. E é.

Não seja esse cara.

Jader Pires