Amor em fim de festa | Do Amor #5
Chegou batendo a porta e avisou a dor nas costas dele. Adormeceu no sofá esperando por ela e acordou com o corpo gelado e todo torto. Ela, maquiagem borrada, sorriso mole de orelha a orelha, a sandália dourada de salto altíssimo nas mãos e o vestido preto cintilante com vários paetês faltando.
Sambou a noite toda e não atendeu as ligações dele. Já tinha umas semanas que estavam nessa rotina de se falarem pouco ou quase nada, alternavam a presença dentro de casa, uma troca velada, disfarçada de "vou comprar alguma coisa pra colocar na geladeira" ou "preciso trocar umas roupas no shopping". Começaram a namorar recém entrados na faculdade, foram morar juntos em uma república no meio do curso e, ao se formarem, já estavam em um apartamento só deles. Se apaixonaram pelas infinitas afinidades e se tornaram adultos diferentes.
Ele mirava lá na frente, trocou a armação dos óculos por uma versão mais formal, passou a usar mais camisas e procurava na Internet críticas de bons vinhos e bons restaurantes. Ela virou uma nostálgica, relembrava as sinucas pós-aula e ria das antigas promoções de cerveja nos bares que atraiam a molecada sem grana. Ele rapidamente arranjou um emprego e, chegando cansado certa noite, a pegou às gargalhadas com algum amigo no Skype depois de terminar uns trabalhos de freelance de casa mesmo. Foi para o banho sem falar nada e ela o seguiu, comentando que estava organizando uma festa de reencontro com o pessoal da faculdade, que estava vendo o lugar pra todo mundo ir e ficar junto. Ele disse que não iria e ouviu o silêncio tomar conta da casa.
Desde então, o afastamento.
Na tal noite ela chegou feliz, pés sujos, alma lavada. Conversou, trocou afetos com pessoas que sentia saudade. Ele se sentou no sofá e a fuzilou com os olhos. Parados, um na frente do outro, ela o questionou:
— Você não vai me perguntar como foi lá hoje?
— Dá pra ver que foi ótimo.
— Vem logo curar a tua nega que chegou de porre lá da boemia!
Abriu os braços, largou a sandália e ficou na pontinha dos pés.
— Até quando você vai ficar nessa?
Ela murchou os ombros junto com o ar que saiu melancólico do peito.
— Quero dizer, a gente tem uma vida pra fazer, meu amor. Senta aqui, a gente tem uma vida juntos agora, temos que fazer planos, estruturar as coisas, você precisa entrar mais no mercado de trabalho, pensar na sua carreira. Olha, juntos a gente vai conseguir muita coisa, você me ajudando e eu te ajudando, a gente vai longe, vamos realizar todos os nossos sonhos.
— Os seus sonhos.
— Os nossos sonhos! Escuta, você também quer ser feliz, quer ser feliz ao meu lado, quer ver o nosso amor crescer ainda mais, estabilizados, com filhos, com toda a segurança desse mundo.
Ela puxou o zíper das costas e tirou o vestido.
— Como você é infantil, cara.
Ela foi se deitar de calcinha e sutiã, sem tomar banho.
O amor, às vezes, é um fim de festa.