O amor que já se foi | Do Amor #4

Ela sempre achou sexy demais. Eu achava meio triste, mas gostava de vê-la com as cadeiras soltas quando tocava essa do Elvis. Então eu fui até a jukebox e coloquei para ela escutar. Voz e guitarra, o grave de Heartbreak Hotel ecoou por todo o bar. 

Na ponta do balcão ao lado, uma mulher me deu um sorriso e acenou positivamente com algum drink na mão, desses enfeitados com algum palito, alguma fruta. Mas nem deu tempo de eu retribuir o aceno, já que voltei rapidinho rapidinho na minha mesa para pegá-la com os olhinhos fechados e ensaiando um remelexo enquanto cantava baixinho "I get so lonely I could die".

Eu sempre fui louco por ela, especialmente naquela noite, enfiada em um shortinho preto, as pernas nuas, musculares, blusinha sem sutiã e uma jaquetinha de couro por cima. Brincos grandes e um coque exibido no alto da cabeça. Ah, a nuca dela exposta, o queixo pungente, pontudo que deixava seu sorriso ainda mais oblíquo, sempre malicioso.

Ela arriscava algum rebolado sentada, eu pedia mais uma rodada pra gente, a clássica. Era sempre uma cerveja grande, pra nós dois, e um copinho da cachaça da casa para ela. Esquentava a goela com o destilado e esfriava com a cerveja. E me ria um riso sempre hipnótico. Naquela noite ela estava me contando o quanto era apaixonada por mim, como a gente fazia bem um para o outro. Eu apenas acenava com a cabeça e deixava as ideias dela preencherem o espaço da mesa, seus gestos com a mão segurando o copo, o olhar tímido de quem se abre demais e olha para a mesa, a coragem de olhar nos meus olhos depois de contar o que apenas se sabe, mas pouco se diz. Abriu de todo o coração suas coisinhas e me deixou suspirando.

Que mulher, gente. Que mulher.

A garota que estava sentada no canto do balcão passou por nós e olhou novamente. Mas eu não conseguia me desprender da imagem dela. "E aí? Mas a gente vai ficar só conversando ou você vai pular para este lado da mesa e me dar um beijo?". Ela perguntou isso provavelmente se antecipando em marcar algum tipo de território e me fez rir. A essa altura do campeonato já deveria saber que não havia chance alguma para qualquer outra pessoa.

Eu estava completamente fisgado.

"Mas espera. Antes de você me atacar, eu preciso ir ao banheiro... retocar a maquiagem". Se levantou e rumou ao toalete feminino. No caminho, as duas garotas do bar se cruzaram. Uma delas, a que tomava drink de fruta no balcão, sumiu pela porta de entrada, indo para algum outro lugar que eu nunca saberei qual é. A outra, a minha garota, sumiu quando a porta do lavatório se fechou na minha frente.

Meus olhos pesaram e parecia que o ar entrando nos meus pulmões se agarrava e não queria sair. O peito pesado. Mão na testa, dois murros na mesa. Chamei o garçom e pedi a conta e a saideira. "Uma cerveja, por favor". Dispensei a cachaça porque, afinal, não havia ninguém para bebê-la comigo, já que havia mais de dois anos que ela terminou o nosso namoro.

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O amor é um fantasma que aparece de quando em quando.

E faz a gente vacilar.

Jader Pires