Dá pra voltar de onde a gente parou? | Do Amor #72
Programou dias intensos de amor e carinho com a nova namorada, tardes de piquenique e passeios no shopping, idas ao cinema, quem sabe um encontro a dois em casa se os pais fossem almoçar na casa de alguma tia. O recesso de final de ano serve pra isso, não? Mas ela viajou para a praia.
Ora, bolas, esquema certo então seria cuidar da própria vida, marcar encontros com os amigos, seguir com os treinos do time de futebol da escola, andar de skate, fumar escondido no fliperama ou no escadão, ver os filmes do verão com os bróder. Mas passou um dia, chegou o segundo e, uma semana depois, já estava acordando mais tarde e trocando turnos entre o sofá da sala e a cama, bisbilhotando o Instagram da menina, vendo fotografias de ondas e enfeites de conchas pela casa alugada. Se pegava um gibi para ler, caía no sono. Se ligava a televisão, zapeava canais e colocava no mudo para assistir pela enésima vez um dos episódios de Choque de Cultura com todas as falas praticamente decoradas.
Natal passou, o ano novo chegou, e a vida mergulhada em tédio. Isso até o WhatApp pipocar no meio de uma soneca de janeiro e avisá-lo que ela tinha voltado. Era uma troca de conversas no grupo da ex-oitava série. Uma semana e meia antes do retorno previsto, por conta do trabalho do pai, e ela estava de novo no bairro, marcando de se ver com as outras meninas. Saltou da cama e se programou. faria umas flexões antes do jantar, voltaria a escovar os dentes ao acordar e na hora do almoço, esperaria três dias para falar com ela (considerava necessário se dar o valor, pois fora o que aprendera com os amigos, que era sempre bom esperar três dias) e faria ela perceber o erro que foi deixá-lo para trás, mostraria o homem que ele se tornou nessas últimas três semanas e provaria ser a melhor opção de todas as escolhas em todas as chances.
E ela haveria de se arrepender. Porque não o teria novamente.
Mas o convite de passeio foi estendido aos garotos do grupo e todo mundo concordou em se ver. Não haveria muito tempo. Caçou as melhores roupas, treinou no espelho feições de desprezo e apatia, inventou para si mesmo que tinha conhecido outra menina na casa da avó no dia da noite de natal, fato que ninguém poderia comprovar ou negar, e repassou possíveis pontas soltas caso alguém perguntasse detalhes. Nome possível e endereço plausível, onde estuda, algum trejeito que ela poderia ter, fato que demonstraria boa visão dele, certa intimidade entre os dois. Estava confiante que faria ela pagar por cada dia em que se divertiu jogando frescobol ou nadando nas ondas do que pensando nele, questionando o propósito da vida longe dele.
No encontro, conversas e abraços, todo mundo dedicado a contas as próprias histórias, as grandes novidades, despejar uns nos outros os anseios para o próximo ano. Ele a viu, acenou com a cabeça, procurou se posicionar meio de costas para ela, mas não o suficiente para sumir da vista dela. E enfim, em maio a balbúrdia, sem querer se tocaram. "Ei, oi. Nem sabia que você já tava de volta", jogou ele, falando antes mesmo de concluir que poderia ser, essa, a melhor frase de início. "Mas fui eu que marquei o encontro", rebateu ela meio rindo. E seguiu para onde queria ir: "Escuta, posso falar com você em particular? Me encontra ali no canto em dez minutos?". Ele botou os olhos na coluna indicada e fez que sim com a cabeça. Pensou em atrasar para não parecer desesperado, tentou puxar qualquer assunto para se perder no tempo, mas três minutos depois já estava se encaminhando para a localização combinada.
Era a hora de mostrar todo o seu desdém e sua empáfia, contar para ela do seu novo amor, da sua incrível nova vida. Era uma garoto livre e leve, cheio de aventuras nas costas, experiente e sabichão, que não pararia o próprio destino a espera de um namorico que nem desabrochou. Ele era demais.
"Eu fiquei com saudades dos seus beijos, sabia?", ela disse quando chegou mais perto dele. Deserto na boca, o esôfago se entrelaçando. "Ju... Jura?", foi a melhor resposta que ele encontrou. "Juro sim. Eu queria mais. Será que você pode me dar?". Ela fez a pergunta ainda se duvidando, levantando o narizinho quase fechando um dos olhos e retorcendo um pouco o corpo no sentido anti-horário. O natal, a nova garota, as aventuras, o novo homem que ele era. Tudo foi para o ralo quando ele fechou os olhos e deu o que ela estava pedindo. Se pegaram bons instantes atrás da pilastra sem conversar, só retomando o atraso, curtindo ouvir a respiração errada um com o outro, aproveitando do pouco espaço para se colarem. "Hmmm, eu acho que você tava com saudades também de alguns beijos", ela finalmente soltou, decretando de vez o revés de qualquer vingança. Mais alguns flagrantes e apertos, e ela retomou conversa: "Mas, vem cá. Antes de eu viajar, você tava comentando de alguns planos, alguma coisa que envolvia nós dois. Ainda dá tempo de fazer algumas dessas coisas?".
"Galera, a gente tá namorando!", ele gritou lá do canto, puxando ela pela mão.
O amor é derrota.