Terminou o namoro e começou a morrer | Do Amor #53

Pelas contas dela, mais um mês e meio, talvez dois, e estariam namorando. As passadas dele na madrugada estavam ficando cada vez mais frequentes, já cumprindo o pequenos e repetitivo ritual de mandar uma mensagem de manhã perguntando se ela dormiu bem e receber o convite dela para passar lá de novo e comer algo antes de seguir pra casa.

E ele ia. E ele comia.

Era o que ela queria. Passar a noite satisfeita. Tinha prometido pra si que nunca mais entraria em relacionamento algum, que seu casamento tinha sido a última cagada com relações. Mas essa, que era para ser só uma brincadeira noturna, tava virando algo mais interessante.

A dupla jornada de brutalidade logo ao chegar e o carinho extremo antes de ir embora era a combinação perfeita pra ela se deixar enganar mais uma vez. Quando ele aparecia, a safadeza começava logo no corredor que dava pra porta de entrada, com perigo de algum vizinho olhar pelo olho mágico de alguma das portas e tudo o mais. Mas, antes de ela ir só de camiseta preparar algo pra ele beliscar antes de ir embora, ele gostava de botá-la de bruços pra deslizar os dedos pelas costas. Sem que ela pedisse. Era uma vontade genuína dele e ela sentia isso pelo escorregar do indicador pelas asas e na curvatura que separa as costas da parte inferior do corpo. Suas costas era a parte mais sensível do corpo. Gozar e ganhar carinho assim logo depois era o pacote ideal. Era esse o sinal que tomou para si de que poderia ser esse o início de um caso menos trivial. 

Só que, feito praga do destino, foi ela cogitar a possibilidade de se abrir para algo mais próximo, as sumidas dele passaram a ser mais frequentes. De começo era fácil de entender, trabalho, treinos, amigos, uma vida plena, claro que em algum momento o cansaço bateria, a vontade de ir direto para casa apareceria e seria muito bem absorvida por ela também, afinal, uma relação amigável assim precisaria ser isenta de cobranças. E, sem reivindicar maiores explicações, foi acumulando desencontros. Até chegar na tampa. Mandou mensagem perguntando se ele viria, ele confirmou, deu uma, duas da manhã e nem sinal. Ela cobrou e ele disse que se esqueceu. Completamente. Ela estava doida pra dar uma. Reclamou. Ele achou melhor conversar no dia seguinte e ela se recusou. Queixou-se dessa falha e das tantas outras nos últimos tempos. Botou para fora o que jurava não estar lhe corroendo por dentro. Cuspiu. Ele achou melhor não se verem ou se falarem por um tempo. Ela o mandou tomar no cu.

"ah, vai tomar no cu, cara". Foi essa a última mensagem que trocaram.

Dois dias depois, uma última tentativa. Ela mandou um "oi" e nunca recebeu resposta. 

De balbucios amargos pelos cantos, os dias de abstinência foram lhe trazendo calafrios e dores estomacais. Passou a comer menos e reduziu as refeições a quase nada. Era do trabalho para o fundo do quarto escuro e sem a música costumeira que que ouvia quando passava pelo corredor. A amiga com quem ela dividia apartamento fazia das tripas, coração. A chamava para ver televisão, tentava puxar a colega para uma caminhada, para fumar um baseado e ir tomar algo no bar. Nada. Sentava-se na pontinha da cama e contava seu dia. Nadinha. Não tinha retorno, nenhuma troca. Quando ficavam também em silêncio e passava bons minutos a encarando, a amiga até imaginava toda a energia vital se esvaindo pelo colchão até o piso, sendo absorvido para o andar de baixo, restando só a carcaça arrependida.

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Certo dia ela chegou suada do dia quente e foi direto para o banho. Ainda molhada, a amiga se lembrou da tristeza dela e foi de toalha até o quarto. Encontrou a janela aberta e ela atirada na cama. Estava imóvel e de bruços. Branca demais. Estática demais. O ar escapou dos pulmões da amiga pelo medo. Chamou por ela e ninguém respondeu. Ao se aproximar, a companheira de apartamento tocou na perna dela. Gelada. Tesa. A amiga fecha os olhos e aperta os dentes, a arcada de cima contra a de baixo. Respira fundo e empurra o membro desanimado. 

Nada.

No impulso ela dá um grito, reação do assombro. Junto, leva as duas mãos à boca. Finalmente, ela responde. "Me deixa aqui, vai". A Colega reparou, então, num leve desviar dos olhos inertes para trás, como se quisesse provar que, sim, estava viva ainda. "Vai passar. Já vai passar", ela repetiu pra amiga que, sabendo da dor, a deixou sozinha no quarto.

Dói. 

Mas de amor ninguém morre não.

Jader Pires