Como ajudar o amor alheio quando nada dá certo? | Do Amor #110

Acompanhava o lento movimento do sol com os olhos vidrados na mancha do teto. A claridade que atravessava a janela rebatia cintilante em alguma peça metálica da sala em silêncio e dançava lá no alto. Deitado no sofá, abraçado em tédio, pensava como transformar em produtivo seu dia chato.

Foi até a banca da esquina ver as notícias, folheou algumas revistas e nada. As matérias não diziam coisa alguma, um deserto em tempestade de areia e notinhas de artistas vip em festas. Seus olhos se cansaram rapidamente, sua boca clamava por algum líquido. O celular berrou dentro do bolso, o amigo querendo falar com ele, chamando-o para um café. Aceitou de bom grado e pediu dez minutos para chegar no local combinado.

Na padaria lhe esperava uma figura obtusa, ombros largos e encolhidos, o nariz adunco apontando para o chão, as pontas da boca como se estivessem sendo puxadas para baixo por duas linhas invisíveis. O chamou para desabafar da vida dura que estava levando, da maré de azar que o estava afogando os dias, atrapalhando as coisas, fodendo os planos. Estava apaixonado, mas não era correspondido. 

Ele se sentia da mesma forma, tudo dando errado e sem saber como sair daquele sequência de infortúnios, mas foi estranho ver essa sensação externalizada, um farrapo em forma de gente, perdido e mole. Enquanto o amigo falava, ele apenas levava o copinho americano cheio de café e doce demais à boca e fazia movimentos afirmativos e compreensivos com a cabeça. Começou a sentir certo exagero na fala do companheiro e disse que não haveria de estar assim tão ruim, que ele deveria se colocar em uma postura mais positiva, botar pra fora mais coisas boas pra receber coisas boas. Estava dizendo tudo aquilo mais para ele mesmo que para o outro. O amigo disse que estava tentando, mas que a coisa estava mesmo bem feia. Ele não acreditou muito, botou ambos de pé e propôs uma caminhada. Andariam para testar a conversa dele para que pudesse, mais uma vez, voltar para sua amada e ter uma conversa que reverteria o fracasso, que o botaria novamente no jogo.

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No caixa, o amigo reconheceu a atendente, uma conhecida dos tempos de escola, um doce de pessoa. Ela o reconheceu depois de alguns segundos:

— Ei, olá! Tudo bem? Que delícia te ver de novo! Faz tempo que não te vejo fazendo compras aqui!

Os amigos se olharam.  Era o começo da mudança. Um teste. Se conseguisse ter uma conversa gostosa com ela, se pudesse absorver um pouco da luz que ela estava irradiando, poderia retomar a vontade de viver. Haveria de ser, mais uma vez, alguém feliz. Arqueou a sobrancelha, engrossou a voz e se jogou:

— Oi, olá! Como você está?

— Ah, eu vou bem, obrigada por perguntar.

— E esse final de semana, hein? Vai aproveitar?

Ela deu uma murchada.

— Não vou poder, vou trabalhar aqui o final de semana todinho.

— Poxa… que pena. Mas me diz, e seu pai, como vai? Eu adoro aquele velho!

— Ele morreu faz um ano, mais ou menos.

— Ai, que pena! Justo agora que você está pra se casar.

— Não, eu não vou mais casar não, meu noivo me largou.

— Mas como assim, logo agora que você está assim, grávida?

— Eu não estou grávida!

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O ambiente pesou feito um saco de tijolos. Foi a hora se colocar o amigo de lado e encerrar aquele desgosto.

— Moça, bom dia. Quanto deu a conta?

Pagou e pediu pra ela ficar com o troco. Levou o amigo para fora, empurrando-o pelos ombros. Na calçada, de frente para o companheiro em frangalhos, desistiu da caminhada e pediu para que ele voltasse para casa. Se despediram e cada um foi para um lado da rua. Ao virar a esquina, apertou o passo e respirou aliviado. 

Seu dia estava sendo uma maravilha e ele nem sabia. 

A dor dos outros dói demais na gente.

Jader Pires