Quando o cara dá em cima da ‘sua’ mina | Do Amor #111
Como se fosse fácil assim. Entrou no bar e logo acomodou-se no balcão como uma ave de rapina na ponta de um desfiladeiro aguardando sua presa de pequeno porte, cinturinha e cabelos escovados. E eu na minha, com minha companhia de sempre, a parceira de uma vida, com os olhos atentos nos meus olhos. Tudo perfeito. Até chegar o machão, de terno bem cortado, sapatos limpos, um Don Draper exalando seus feromônios enquanto paga de profissional solitário que precisa de um cuidado feminino para não avançar na autodestruição. E o que não faltava naquele bar aquele dia eram mulheres dispostas a cuidar dele, uma nutrição quase materna, quase de Maria, de quem salva, de quem tira os pecados do mundo.
Ele fingia e que enganava e elas simulavam acreditar.
Mas não a minha garota. Ela estava comigo. E bem. Na minha. A gente conversava sobre a viagem que pretendíamos fazer juntos, os lugares que ela queria passar para fazer compras, os locais turísticos que ela queria evitar. Foco total na nossa vida a dois. E o cara que há pouco entrara colecionando dispensas, deixando as garotas de lado, minuciosamente controlando o território, sendo seletivo. Quanto mais nãos ele dava, mais a aura dele tomava conta, mais silencioso o local ia ficando, maior era a procura dele, a abertura entre o banco onde ele estava sentado, no meio do balcão, segurando seu terceiro scotch duplo com gelo e a mesa onde eu estava, onde ela estava, a minha garota, a minha pequena. Minhas mãos suavam, minhas frases começaram a sair como se tivesse uma grande lombada na ponta da minha língua, tortas, sem começos, faltando conclusões. Obtusas. E isso chamou a atenção dela. Levantou a cabeça, olhou em volta, a atenção dela batendo de frente com o reparar dele. A sintonia, o transe. Bateu. Quando retornou a cabeça para o meu lado, ela estava boquiaberta, cintilante, acesa. “Você viu aquele cara?”, perguntou com a voz fininha enquanto eu soltava um pavoroso “uhum” tentando ser indiferente. O cara lá atrás ficou em pé na frente do balcão e, numa segunda olhada dela, lhe apontou a bebida como um sinal de felicitação, como se fosse um brinde para comemorar que já tinha feito a sua escolha. Ela ficou vermelha, encolheu os ombros como se não acreditasse ainda que tinha sido notada por aquele tipão.
E eu desacreditando a cena, estupefato, os braços colados na mesa falando, mas somente na minha cabeça, “mas caralhos, você tá comigo”. Como se ele tivesse tirado uma flauta do rabo e tivesse iniciado uma canção hipnotizante, ela se levantou com algum pretexto de pegar mais guardanapos com o garçom e foi na direção dele. Meu peito pegando fogo, as pernas dela provavelmente também, as mãos dele certamente quando pegou na parte de trás do braço dela, naquele pedacinho sensível de pele que arrepia em qualquer mudança de temperatura. Trocaram sorrisinhos, tapinhas no ombro, uma conversa fiada, telefones. Tudo na minha frente, escancarado, sem pudores, a humilhação pública e sumária. Meus dentes tentavam quebrar um ao outro em um ranger sem fim, os dedos dos meus pés atritando a sola dos meus tênis gastos, como aquele cara estava ousando tomar o que era meu? porque ela estava dando bola para um canastrão sem se importar com as porras dos meus sentimentos?
Se eu namorasse com ela e não fosse só mais um amigo, ele iria ver.
Ela voltou para a mesa toda toda e eu tive que lhe entregar um sorriso todo do amarelo para que não ficasse ainda mais feio para mim. “Vai fundo, gata” indicou meu punho quando dei um soquinho de leve no queixo dela.
O amor faz um mal, né.