Eu namoro a namorada dele | Do Amor #106

O melhor dos rituais é o meu. Acordar antes dela, escovar os dentes, preparar o café e voltar para o batente da porta do quarto para vê-la ainda dormindo. Coisa de cinco minutinhos, ela de bruços, um dos pezinhos fora do lençol, os cabelos espalhados e exaustos de dançar a noite toda no travesseiro. Com pequenos sinais, finalmente, eu começo então a acordá-la, abrindo a porta para entrar alguma luminosidade e o cheiro do café fresco.

Me sento ao lado dela na cama, na pontinha, devagar, e a chamo baixinho e repetidas vezes, reparando nos sinais que ela dá para dizer que está acordada, ou melhor, acordando, saindo daquele pântano que é o sono pesado dela. Mexe os dedos da mão, dá uma respirada funda. Deve ser um trabalho hercúleo dentro da cabeça dela voltar à consciência. E eu rio, claro. Acho tudo isso muito fofo. Ela é muito fofa. Delicada e bagunceira, o meu tipo preferido de pessoa. Não, à toa, a gente veio morar juntos com, o quê, quatro meses depois de nos conhecermos.

Era a coisa certa, o santo bateu, a saudade ardia todos os dias, as conversas só aumentavam, nossas saídas de semana também, eu sempre esperando ela sair do trabalho e era farra madrugada adentro, suores, risadas, a troca, a alegria. Assim que deu, achamos um apartamento para parar logo com aquela coisa doída que era esperar. Desde então, todo dia tem café cheirando para fazer com que ela desperte, e eu ganho a incrível visão dela dormindo ainda cedo, seja seminua nos calores de verão ou “sarcofagada” em dois edredons quando chega o meio do ano. Ela odeia frio. E eu passei a odiá-lo também, porque vejo menos dela, do corpo dela, da energia que ela costuma ter. Mas não tem problema, claro, nessas estações geladas eu a esquento. Nada como braços fortes para deixá-la derretidinha.

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Tanto que, na primeira oportunidade que teve, coisa de nem um mês de mudados, ela e eu, para o mesmo apartamento, ela me chega com um cara fortão da rua, “um conhecido de uma amiga, que encontrei num rolê aleatório, sabe desses, que você fala, ah, por que não?”, disse ela toda mole de cerveja e tremelicando de excitação enquanto ele tinha ido ao banheiro. Não se largaram mais. Ele passou a frequentar nossa casa todo final de semana, depois às sextas. Hoje, bate ponto aqui todos os dias. Dorme de quinta à domingo e visita de manhã no restante da semana. Daqui há pouco ele aparece. Olha aí. O barulho da chave. Ela deu uma cópia para ele, que chega já sem bater. Eu ouço o ruído do chaveiro de super-herói dele, o sinal para eu voltar para a cozinha, enquanto ele a leva para o banho e depois vem tomar do meu café.

Mas tudo bem. Deixa. Eu namoro a namorada dele.

Jader Pires