Independência ou… não tem relação que aguente | Do Amor #115
Deixa a mina ver a série dela sozinha. Que mania mais feia essa dos casais no mundo todinho de querer reprimir o boy ou a gatinha de assistir a episódios dos seriados do momento sem física presença do conge (assim, sem aspas mesmo porque já é hora de aportuguesar o “conge”), como se o relacionamento deles dependesse do perfeito equilíbrio de temporadas vistas juntinhos, do assombro com as reviravoltas coladinhos, do deslumbramento mútuo, sincronizado, testemunhado e lavrado em cartório. Ou é assim, ou não tem namoro.
A pequena piada acima acaba nos revelando uma síndrome muito maior de dependência relacional, uma imaturidade presente em praticamente todos os casamentos, namoricos e relações abertas. Não salva um. “Mas você foi naquele restaurante com as suas amigas e não comigo”, “antigamente a gente dormia de conchinha no nosso colchão de solteiro e agora você quer se esparramar pro outro lado dessa barca de casal”, “na suruba do final de semana você olhou bem pouco pra mim” e outras chatices da dependência, como se as minhas experiências de vida só fizessem sentido se a outra parte da relação estivesse presente e compartilhando dos meus jorros.
E, vá lá, nem precisa ser assim.
O mesmo acontece com as nossas melhores preocupações. Há uma tonelada de gente que depende da alegria do outro. “Será que tá tudo bem com ele, tá se sentindo à vontade, tá conversando com meus amigos, com a minha família, será que ele precisa de alguma coisa, porque, né, eu só fico confortável se o meu tchutchuco também estiver confortável”, um comportamento maternal que faz um mal danado, porque deixamos de viver nossas intenções para agradar ao próximo. Deixamos de ver pessoas pelo outro, não vamos mais a lugares porque não é do agrado do outro, sentamos emburrados no sofá na sexta à noite para ver os benefícios da beterraba no Globo Repórter em vez de matar a última temporada de “La Casa de Papel” (tem gosto pra tudo, né). Tudo isso porque botamos em nossas cabecinhas que relacionamentos são baseados em sacrifícios e perdas menores para benefícios maiores, o nosso amor, o amor de quem nos ama. E, com toda essa austeridade emocional, deixamos de nos gostar, de gostar de coisas, e passamos a gostar do que o outro gosta, nos comportamos como o outro acha que deve ser mais aprazível. Ficamos dependentes dos humores externos quando deveríamos nutrir delícias para os nossos humores internos!
Claro que agradar o nosso conge é legal, faz bem, botar prendedor de guardanapo de pérolas no nosso prato de sopa porque ele vai gostar. Só não faz sentido nos privar de diversões e pensamento crítico próprio em prol de mimar a outra parte, de segurar nossos ímpetos, nos separar dos amigos, deixar de frequentar lugares ou, pior ainda, e voltado ao começo dessa conversa, achar errado, um crime, pecado primário nesse mundo de meu deus, saber como acaba a septuagésima terceira temporada de “Grey’s Anatomy” porque o amor de nossas vidas pegou no sono às dez da noite.
Precisamos ser seres independentes, emancipados, autônomos. Há a necessidade de sabermos diferenciar o que é fazer bem para o outro de condicionar nossas atitudes em prol a tranquilidade alheia. Tudo o que fazemos é metade do caminho. A felicidade de alguém depende só dela. Lembre-se: você não consegue fazer alguém feliz. Então, nem tente. A tranquilidade de alguém depende só do seu próprio mundo interno. Com isso, toda relação pode ter uma virada com uma conversa aberta sobre expectativas e vontades, e toda relação pode ser livre, se cada pessoa envolvida for autônoma, desobrigada.
Pois deixa quem é de madruga ver a série na madruga, deixa quem é de sair pro rolê, ir pro rolê, libere seus parceiros da necessidade de mimá-los, abra espaço para que a pessoa que tá convivendo uma relação amorosa com você possa florescer, se desenvolver sem os seus cuidados, mas com os ambientes propícios para alegria que você pode proporcionar.
O amor é independência.