Namoravam os garotos e elas também | Do Amor #118
A dúvida era “como é que a gente mata dois calores?”. Um deles, o mais fácil, já estavam resolvendo. Se enfiaram, as duas, em seus biquínis, uma de bermudinha e outra com uma saia, e chamaram os namorados para irem ao clube. Se encontraram os quatro no ponto de ônibus e subiram de mãos dadas, formando dois casais bonitos, ela loira e com os cabelos bem curtos, raspados nas laterais com um topete platinado jogadão para trás, a outra com tranças tão escuras quanto sua pele. Os namorados eram fortes, garotos atléticos que foram o caminho todo trocando impressões esportivas, como andavam o campeonato da escola, o nacional, os jogos de basquete nos Estados Unidos. Logo estariam todos refrescados em uma das piscinas do centro recreativo e metade do problema delas duas estaria resolvido, o embate contra o sol de mais de trinta. E nem eram dez da matina ainda.
A segunda adversidade, o outro calor, era o tesão. Estavam malucas e se mordendo por dentro, as unhas transmitindo raios poderosíssimos para as pernas quando tocavam as próprias coxas, os olhares perdidos tentando fisgar atenção em qualquer besteira que não fosse uma olhar para a outra. Que daí batia. Aí vinha. O apetite, o ímpeto, a imaginação. Uma deu o braço para o namorado se trançar no seu e a outra levantou para abrir a janela, reclamando da sensação abafada dentro do coletivo. Só que nem um rombo bem na frente deles acalmaria essas quenturas.
Guardaram as coisas no armário de ferro e correram para a água. Mergulharam, deram piques de uma ponta à outra, plantaram bananeira debaixo d’água pra ver quem aguentava mais tempo, brincaram de guerrinha, de saltos, de subir nos ombros dos namorados para fazer rinhas, tudo isso até tomarem umas broncas enormes do salva-vidas daquele turno. O intuito, mesmo que tivessem a mesma atitude sem combinar nada, era cansar mesmo, serem tomadas pela exaustão, fazer a cabeça pedir arrego e não mais montar aquelas imagens na cabeça das duas, lembranças próximas, agora que estavam de novo no clube. Mas sabiam, de alguma forma, que era inevitável, tanto o lembrar quanto o querer. E elas duas queriam. Então, em um determinado momento, em um instante decisivo, elas se olharam sem o medo, sem o receio, e veio uma calmaria absurda cuidar delas duas. O calor virou mormaço, as brincadeiras deram lugar à quietude. O peito delas parou de empurrar a água na piscina. Serenas. Dava pra ouvir o barulho dos outros adolescentes, do movimento das pequenas ondas, dos pássaros pulando nas árvores estátuas, do dia sem vento, dos pitos dos monitores. Tudo em seu devido lugar, inclusive os desejos delas. Entrelaçaram dedos sob o fluido das águas e saíram da piscina. “A gente vai no vestiário rapidinho”. Contaram uma mentira, que nem foi acatada pelos namorados que estavam imersos em disputas aquáticas. Caminharam com sorrisos soltos e uma leveza visível dos braços subindo e descendo na marcha quase atlética das duas. É que queriam chegar na rouparia mais adiante, onde tinha pouca gente.
Adentraram em silêncio, feito duas detetives tentando capturar o bandido. Mas danadas eram elas mesmas. Abriram todas as cabines, fizeram perguntas para tentar obter uma resposta oculta, mas bingo, tudo vazio só para elas. E se pegaram com voracidade, agarradas, juntas, coladas, o ruído da respiração das duas parecendo uma trovoada em dia de tempestade, o gosto do suor, “não, eu tô melecada”, “eu não ligo”, dentes e risadas, o abraço depois da vitória parelha. Melhores amigas sabem cuidar das melhores amigas. “Eu te amo”, saiu da boca de uma delas com desibinição da intimidade. “Eu também”, veio a resposta com a transparência da intimidade.
Desceram juntas de volta para a piscina e se deitaram para tomar sol. Dormiram o sono dos justos.
O amor é obstinado e também dá uma preguiça…