Ainda bem que deu tudo errado | Do Amor #95

"Jura que ele aceitou?". Os olhinhos dela brilhavam feito duas pedras preciosas recém descobertas. Tinha três dias que ela tava no meu ouvido pedindo pra eu dar um jeito de colocar ela e meu amigo no mesmo lugar, que ela tinha achado ele gatinho demais e que tentaria uma chance com ele. E eu, claro, disse que veria como arrumar isso, mas sem pressa, que ela conhecia a minha preguiça, que eu não iria me esforçar lá aquelas coisas, mas que daria meus jeitos.

E dei.

Consegui um encontro com os dois. Eu seguraria vela por uns minutos e daria no pé para que, com mais privacidade, com mais proximidade, ela pudesse fazer seu charme pra ganhar uns beijos do cara.

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Marcamos na praça de alimentação do shopping e ele demorou quarenta minutos para chegar depois da hora combinada. E ela se tremendo toda, perguntando se ele viria, pedindo para mandar mais uma mensagem, e eu dizendo que não, que era ridículo ficar pesando daquele jeito, que ele apareceria, que ela era esperançosa demais pra achar que um garoto da nossa idade se comprometeria com horários. Nesse tempo, ela disse o quanto ele era lindinho, de como ele fazia piadas boas, descrevia a maneira com que ele botava a mão na boca pra dar risada e ela achava fofo.

E eu, sem mover um músculo, escutando com metade da atenção, botando o restante da atividade mental nos videozinhos de gente caindo e se machucando postados num grupo do WhatsApp. Até que meu amigo chegou. Enquanto víamos a silhueta dele se aproximando, ela arrumou a alcinha do sutiã, os cabelos, jogou dois chicletes na boca, bateu as mãos na calça jeans pra tirar qualquer restolho de comida, ajeitou os cabelos de novo, perguntou se estava com os cabelos arrumados e passou os dedos nos fios mais uma vez.

Fiquei fazendo a função de aproximá-los por uns dez minutos e foi o suficiente pra conversa entre eles engatar. Percebendo que estava sobrando, piquei minha mula sem falar muita coisa. Mas fiquei observando os dois à distância, atrás de uma pilastra do lado de uma das lanchonetes. Vinte minutos, uma hora. Vi meu amigo dar um beijo na bochecha dela e, mesmo caminho que chegou, ele foi embora. Voltei, como quem não quer nada, pra saber o que tinha acontecido. 

Ela comentou, sorrindo meio amarelo, que ele ficou falando de videogames e de como as aulas de ciências eram chatas. Perguntei se ela não teve vontade de tomar a atitude e a resposta foi que, mesmo ele sendo bonito demais, parecia meio bobo. Comentou que se ele tivesse avançado na tentativa ela até deixaria, ainda dizendo que o beijo dele deve ser bem bom, elogiando a boca dele, falando que era fofa a maneira com que ele ria com a mão na cara. Mas que, no geral, não foi como ela imaginava.

E enquanto ela desabafava, eu sentia minhas pernas ganhando força de novo enquanto o ar voltava a passar leve pelos meus pulmões, e não mais com aquele fardo do receio de eles se pegarem. Ela me explicava frases pontuais e eu sentia o aroma de chiclete que saía na fala dela. Ficava reparando nas repetidas investidas das mãos dela nos cabelos, sempre arrumadinhos, no jeito com que ela falava mais agudinho quando se empolgava com algum detalhe dos fatos.

Eu tava ajudando ela a ficar com outro cara, mas tava doido pra ela se interessar por mim.

Amor é quando a gente faz o outro feliz.

Jader Pires