"Eu tinha um tesão na voz dele até ele me ligar" | Do Amor #94
Lindo. Quando a gente ficou pela primeira vez, eu mal acreditava. Aquela barba, os óculos, uma mistura de ogro com nerd irônico de camisa estampada com rosquinhas. Foi amor à primeira vista.
Ele me ganhou quando disse que tinha gostado dos penduricalhos que eu tinha no tornozelo. Eu estava toda descabelada, de roupa larga e jaquetinha jeans, mas ele teve a doçura de dizer que reparou em coisas boas. Aquilo me derreteu na mesma hora. Além do beijo, sim, esse me deixou caidinha também. A gente saiu de novo na semana seguinte e tudo continuou incrível. A conversa, a maneira com que ele me olhava, uma atenção uniforme, sabe, do começo ao fim. É bem normal ver os caras com os olhos em você e a cabeça lá em Marrakesh enquanto você tenta desenvolver uma linha de raciocínio minimamente profunda. "Ok, ele só quer te comer", a gente pensa e, se tá afim de dar, mudamos o assunto para algo bobo como pedem os bobos.
Mas ele não. Os olhinhos atrás das lentes acompanhavam meus lábios e os gestos que eu fazia para deixar minhas histórias mais contundentes. Me fazia perguntas, dava corda pra eu avançar e falar mais e, nossa, ele metia bem pra caralho. Eu o pedi em namoro com duas semanas de encontros. A gente tava se vendo todos os dias. Nem tinha porque ser diferente e, na primeira quinzena, me ajoelhei e fiz o pedido. Ele riu e aceitou. E a gente virou um grudinho, de sair juntos, de eu o apresentar para minha família e para os meus amigos, a gente trocava mensagens de madrugada, mandava links de músicas e vídeos de gente caindo.
Disso deu um mês e pouca coisinha a mais, ele teve que viajar. Uma coisa a trabalho só quatro dias. Mas seria primeira vez que ficaríamos mais de um dia sem se ver. O que não era problema algum , claro, ao contrário. Pensamos até que seria interessante finalmente sentir uma saudadezinha, aquela expectativa da volta, as conjecturas do retorno.
As brincadeiras provocativas virtuais.
Fiquei me preparando para mandar fotografias nua, mensagens de putaria, incentivos à punheta dele. Pensei que seria bem do interessante atrapalhar as tardes de trabalho do meu namorado, fazer ele pensar em coisa gostosa, se morder todo. Tava esperando ele dizer que voltaria o quanto antes só pra descontar as dores e desejos que botei nele. E começou bem esse jeito. Insinuei, fiz manha, banquei a menina má, fiz o garoto suar e perder parte da compostura. Que delícia ver o coitadinho se remoendo e me contando o que queria fazer, como iria me tratar e tudo o mais.
No fim do terceiro dia, quando ele chegou no hotel, começamos a brincar e ele disse que queria me ouvir. Queria lembrar como é que eu fazia com a voz quando ela começava a ficar trêmula de vontade e, sem sucesso, eu procurava encontrar de novo a cadência. Mandei ele me ligar. Na hora. Com a mão na massa. Na segunda chamada eu atendi. E ele me disse "oi".
A voz dele, no telefone, era idêntica a do meu ex-namorado. No dia-a-dia, ao natural, não lembrava não. Mas no metálico do telefone, porra, parecia que as graças que ele falava pra me deixar excitada chegavam como granizo, machucando, frio. Me levava para uma época em que brigas eram constantes, que meu intelecto era posto à prova todo o tempo, uma época chata e esquecível, se não fosse pelo tom daquela voz linda se transmutando no horror do relacionamento anterior. Em vez de molhar, foi me dando uns solavancos no estômago, me virando as tripas, fazendo do tesão, um asco sem fim.
Desliguei na cara dele.
Falei que precisava ir dormir. Silenciei as mensagens. Mal falei com ele no dia seguinte. Quando voltou, desconversei e deixamos tudo voltar ao normal. Afinal, aqui, pertinho, os pedidos dele eram dele de novo, e não de outra figura horrenda do passado.
Ele ainda é uma delícia. Mas nem a pau eu atendo as ligações dele.
Dá vontade de dar porrada naquela fuça.
E acho que a gente não precisa disso, né?