O sorriso torto (ou "o que a gente faz por amor") | Do Amor 97
Tem uma coisa muito doida que é o nosso mundo interno precisando, ou podendo - quem sou eu pra impor alguma regra no mundo -, se equilibrar com os fatores externos, ou seja, o universo imaginado todinho.
Quero dizer, a gente tá feliz e então sorri ou dá uma gargalhada quando ouve algo engraçado. Se estamos tristes, a boca murcha, os olhos e os ombros caem, andamos mais rápidos quando estamos ansiosos pra chegar em algum compromisso ou então botamos a mão na boca ao ver uma cena horripilante, algo que nos assuste num baque.
Até aí, tudo bem, certo? Tem também, claro, quem sabe mexer com esses dois fatores de modo a se beneficiar, se assim podemos concluir. Aquela coisa de mafioso de manter os amigos perto e os inimigos mais perto ainda, o gelo na veia dos políticos de carreira sorrindo e apertando a mão de outros velhacos que, se pudessem e ninguém estivesse olhando, colocaria álcool e fogo no desgraçado. Mas, na frente dos fotógrafos, tá tudo bem, tá tudo lindo, a não ser quando tudo dá bem errado e você toma aquele pingado de pobre na campanha e, o que era pra ser uma cara de satisfação em compartilhar da comida do povo, vira uma careta escancarando a verdade. O asco da ralé.
Mas o que é um pouco mais raro, só que extremamente curioso e quase poético é quando as coisas se misturam, ficam bagunçadas, bate o tilt de não saber colocar cada coisa em seu devido lugar.
Tinha um cara que foi, uma vez, pela primeira vez, almoçar na casa da namorada, dos pais dela, com a família dela.
Bem no natal.
Gravata no pescoço, um sol de trinta e dois. Chegou cedo, com a companheira, e iniciou um vivo e morto no sofá da sala, levantando-se para cumprimentar cada tio que chegava, cada primo que passava, todos os sobrinhos que corriam, sentando-se cada vez que alguém lhe dava as costas.
Até aí, tudo bem, que mal pode fazer um pouco de decoro se, mais tarde, sabe que vai ser recompensado pelo bom comportamento quando ganhar mordidas na cama?
Chamado à mesa, teve o lugar reservado ao lado da cabeceira, bem do ladinho da matriarca da família. E é servido o almoço, uma massa acinzentada estranha e disforme. A cara é ruim e o gosto, claro, é ainda pior, um sabor ocre com alho, como se ele estivesse lambendo partes enferrujadas do portão da garagem. E quatorze pessoas agora fazem silêncio e olham para o convidado de honra, o namorado da daminha da família. Ele não pode ser um governador vencido, um prefeito convencido e derrotado pelo rosto retorcido de aflição. Mas ele não tem poder suficiente pra ser um Vito Corleone e trazer todos pra perto mesmo morrendo por dentro.
Então a coisa se resolve no meio termo, o sistema se divide, as vontades se misturam. A boca sorri, mas os olhos não.
O que a gente não faz por amor, né?