Pelo de saco e sorte grande: mais duas histórias de amor na quarentena do Coronavírus | Do Amor #132
“Porra, pelo do saco é foda”. Cuspiu o comentário num volume suficientemente audível para que o outro, pelado na sala, escutasse com todas as letras. Sentiu os pesados passos fazendo pressões ocas contra o piso de taco cada vez mais próximos do banheiro e a figura maciça do seu namorado entrou no privado com cara de sonso, coçando a nuca com os dedos de uma das mãos. Observou os movimentos repetitivos do cônge (licença poética em homenagens aos que se foram) apontando para o ralo. Lá, em meio a fios de cabelo que comumente caem ao se banharem, uma pequena coleção de pelos pubianos, escuros e grossos, se acumulavam na passagem da água. Apertou um dos olhos e sugou ar como que para engolir palavras precipitadamente mais violentas. “Mas o que te faz pensar que esses pelos são só meus?”. Perguntava isso enquanto adentrava também debaixo do chuveiro e, com os mesmos dedos que coçava a parte de trás da cabeça anteriormente, agora puxava cabelinhos do saco do namorado. “Estamos os dois sem higienização apropriada”, comentou com um ar cínico.
O problema era que, desde o pedido de isolamento social, um se mudou para a casa do outro e a convivência mais colada causava essas pequenas implicações, ternurinhas que eles viam como acertos a serem feitos. Quem lavava a louça e quem regava as plantinhas da janela, os barulhos dos exercícios que um fazia enquanto o outro tentava ver a reprise de malhação ao final do expediente de home office. A única coisa que concordaram de saída era que cozinhassem pelados, rindo do balançar de pintos enquanto cortavam vegetais e mexiam caldos nas panelas. Mas agora tinham que resolver o deus nos acuda das penugens enroladas que escorregavam da púbis de ambos.
Ficaram de se raspagem mais tarde. “Mas só aparar baixinho. Tirar tudo fico parecendo um neném”, disse um deles. E o outro concordou, com o riso solto.
* * *
A conversa constante era da realização do quão sortudos eram os três morando juntos em uma casa relativamente grande, com quintal e tudo. Não eram muitos os que podiam gozar da companhia de mais de uma pessoa, ainda mais amando essas duas pessoas. Léa que amava Paulo que amava Juca, toda a quadrilha se ajudando e se pegando e dividindo as tarefas do lar de forma harmoniosa. A única encrenca que arranjavam era na hora de escolher filme pra ver. Se odiavam de um modo engraçado por caírem no clichê das pessoas que ficam horas escolhendo algo pra finalmente dar o play e um dormir na primeira meia hora enquanto a outra perde todas as cenas com os olhos no celular e o último resolve que é mais útil se colocar na cozinha pra terminar de lavar a louça. Todos voltam a ficar felizes quando alguém pega alguém ainda na pia e a terceira chega para puxar calças para o chão água da torneira salpicando os pratos e jateando no peito de quem ficou em pé e a santa putaria resgata a doce melodia do trio.
Eles gozam, dois vão para o banho enquanto um termina a de guardar a louça e retornam ao ponto inicial, encaixados os três no pequeno sofá amarelo gasto das sentadas e quicadas e dormidas e terminam o filme, que nem era tão legal assim. “A gente tem uma sorte do caralho”, um diz para o outro repetir e a terceira reiterar em voz alta, três suspiros de alívio e mais uma de capricho por parte dela, que ainda matutava um round dois com eles antes de dormir.
Amor de ajustes. Amor de encaixes.