Camisinha no bolso: por que a gente esconde coisas no amor? | Do Amor #133
Não conseguiu tirar a mão de dentro do bolso ao pegar a carteira. Em vez disso, afundou as pontas das sobrancelhas entre os olhos num formato pensativo enquanto, de costas para ela, estruturava linearmente os pensamentos.
Já estavam juntos há alguns anos, tempo mais que o suficiente para criar hábitos. Quando ela estava querendo, pedia pra transar com todo um procedimento não verbal de aproximação, o deslizar das mãos pelo peito dele e o nariz metido entre ombro e pescoço. Quase lamuriava-se até ser puxada para ter o que estava procurando. Era assim que eles silenciosamente se organizaram para o doce ritual do sexo.
Naquela noite, chegou mais tarde que de costume pois havia pegado o maior trânsito ao sair de um treinamento da empresa em que trabalhava, um daqueles dias em que se perde o dia todo indo a um outro lugar para escutar palestras que pouco se agrega aos reais dilemas do dia a dia da profissão. Pelo menos pôde dar boas risadas a tarde, pois na volta do almoço ele e os amigos do escritório passaram por uma blitz de conscientização do sexo seguro na avenida, momento em que homens, para aliviar a vergonha de falar sobre seus próprios pintos e a maneira com que utilizam essas suas ferramentas com piadinhas e gracejos para desviar a atenção do que de fato importa. Saíram contando vantagens, atacando um ao outro, rindo e debochando todo mundo de todo mundo.
Ao chegar em casa, recebeu a costumeira bitoca de boas vindas da sua mulher que já havia chegado e estava na cozinha tirando os últimos itens de compras das sacolas plásticas. Ajudou-a a desempacotar e organizar as coisas cada uma em seu devido lugar, produtos de limpeza debaixo da pia, secos na dispensa e molhados na geladeira. Nesse enfiar de coisas, foram se esbarrando e se tocando e o calor foi subindo. Entre os beijos, de maneira sussurrada ela perguntou no ouvido dele se por um acaso ele tinha alguma camisinha pra eles usarem, já que ela havia parado de tomar o remédio conforme conversa que os dois tiveram uns meses antes.
Automaticamente sua memória o lembrou do evento de mais cedo e sua mão se enfiou em um dos bolsos da calça sentindo o volume da embalagem de preservativo. Se recordou das garotas de uniforme roxo falando sobre os perigos das doenças sexualmente transmissíveis, dos amigos falando groselhas, das risadas e das mãos deles enfiando coisas na sua calça.
Sim. Ele devia ter uma camisinha com ele. Só que a coincidência do fato o intrigou. “Será que ela tá perguntando isso porque sentiu o pacotinho no meu bolso? Faz anos que não usamos camisinha, porque eu haveria de ter uma comigo?”.
Daí seu corpo travou no impasse de afirmar que tinha ou mentir e dizer que, claro, estava sem nada e teria que ir atrás caso quisessem ir para os finalmente. Mas ela poderia já estar sabendo da existência da camisinha e, por mais que a explicação fosse verdadeira, poderia acabar com o clima que estava rolando. Mas a mágica de tirar o preservativo do bolso também acarretaria em questionamentos que, por mais simples de serem respondidos, teriam esse efeito de cortar a vibe. Conjecturou as opções, ponderou cada desenrolar, se perdeu em outros pensamentos com as duas mãos apoiadas no encosto da cadeira . Ela o abraçou por trás, ainda sedenta pela brincadeira, mas não encontrou o que procurava ao abrir o zíper dele. Nada aceso. “Bom, amor, eu acho que vou tomar um banho rapidinho e daí a gente volta de onde paramos. Que acha?”. Ele sentiu parceria na voz dela e concordou. “Claro, amor. Vou estar aqui, prometo”.
Ela foi para o chuveiro e ele se sentou na mesa da cozinha. Meteu de novo as mãos nos bolsos da calça jeans e não achou camisinha alguma. Foi pego pelo susto. E sorriu por ter sido “salvo” pela brochada.
Quem diria.