De fomes e vontades: dois bichos, eles | Do Amor #134
Abria o Tinder quando lhe faltavam os cheiros, a real presença de outra pessoa e sua disponibilidade. Não dava exacerbados likes, passava os perfis com calma e quase sempre escolhia nenhuma das possíveis tentativas. Seletivo em demasia. Num final de tarde dessas carências, deu com as fotografias coloridas dela enchendo seus olhos e o brilho da tela, amarelos e azuis, uma garota praticando yoga, a pele morena, o controle corporal. Ficou extremamente curioso em saber o que ela teria a dizer em sua descrição e foi traído pelo mal toque na tela. Acontece que, em vez de expandir, deu um tal de super like, um chamativo mais gritante que o corriqueiro. E se desesperou. Afoito, procurava saber como desfazer o mal-entendido antes que ela visse. Não queria aparecer como pressuroso e, mais ainda, não desejava dar expectativas de avanço na conversa. Mas não conseguiu desamarrar aquele nó. Foi dormir, achando que as horas de sono dariam jeito no imbróglio. Ou, ao menos, nas perturbações da cabeça dele.
Na manhã seguinte percebeu que seu grande like tinha sido correspondido. Ela aceitou o acercamento e a mistura de sensações chegaram a galope, o match, o desespero de ter que interagir e, depois, rapidamente depois, colado com o susto, a vontade, curioso tal qual um garoto que almeja saber se o pacote de natal tem ou não o videogame que tanto queria. Finalmente, apareceu a descrição dela: “só queria conhecer sua mente”. Ou algo que valha. Fotografias de yoga, o cabelo azul, piercings no nariz e uns raps na lista do Spotify. A mistura perfeita. Uma iogue do cotidiano. Naquele instante, ele ainda não iria saber explicar nem para si, mas já estava entregue ele todinho. Havia caído em uma fenda inesperada, mas estimulante em um tanto que ele sentia seu corpo eriçado, seu nariz procurando por ela, os olhos quentes, os ossos gelados. Ânsia e angústia. Só que ela era das pessoas que sumiam e apareciam a bel prazer, quando lhe apetecia, quando era conveniente. Ou, ao menos, era esse o julgamento que ele havia feito. Dias disso. Aproveitamentos e espera. As conversas ali e no WhatsApp arrebatavam a atenção dele, deixava vulnerável sua existência, sua autonomia. Oscilava com os carinhos dela, com as ausências dela, com o tesão também. Faltava-lhe o ar, sobrava a delícia do tato, se tocar, roçar as canelas no lençol enquanto conversavam, flertar com a loucura quando recebia mensagens por áudio com a voz dela, inebriante, infantil e rouca, aguda, correta, a fala certinha, formal, “Olá, essa é minha voz”. A melodia da cadência, do jeito de ela formular frases, calma, segura, aberta, doce. Seus pelos levantavam, tentavam crescer na direção que o sol dela nascia. Eram dias intensos. Dias disso.
Até que, depois de tantos sumiços e perdidos, conversas e desculpas, paus na mesa e contundências, marcaram de se ver e ela apareceu. Ela e seus piercings, seus ombros escuros do sol, vestindo uma blusinha amarela, bem saturada, um deleite para as pupilas dele logo ao chegar. O sorriso nervoso. Ela não sabia muito bem como lidar nos primeiros minutos. Estava lá e não com a moleira em outro lugar, em outras relações. Disponível. Mas envergonhada, meio sem jeito, buscando o caminho certo para começar, para avançar. Pediu para ver as mãos dele. Ela tinha comentado que adorava mãos, que tinha gostado das dele, quando meio contrariado, mas achando fofo, ele mandou fotos para ela. Acariciou as palma e costas, apalpou os dedos longos e desnivelados. “Gosto dos ossinhos das falanges proximais”, ela soltou como que num desafogo, olhando para ele e para as mãos e para ele de novo. Reiterou ter gostado do tamanho delas, entrelaçou a sua pequenina com as dele, bem maiores. A conversa veio, finalmente, e encheu o ambiente dos dois. O som deles falando, se mexendo, existindo, um com o outro. Ele imaginava como deveria ser mexer nos cabelos dela, o perfume o deixava maluco, os olhos dela espetinhos se mexendo incessantemente, como se precisasse detalhar cada pormenor dele na mente, guardar tudo, sugar a imagem dele para dentro da memória dela. O beijo, o primeiro, tão macio. Os beijos, posteriores, tão intensos. A procura um pelo outro, as mãos, os braços, a barriga dela encostando, os grunhidos, o convite dele para subir, a hesitação inicial dela, seguida pela valentia. Subiram. Foram aos céus. Juntos.
Mais vezes. Muitas. Dois adolescentes ávidos pelo contato, colocando e tirando, consumindo com as línguas, vestindo fones para escutar melhor, se deixavam engolidos também pelo silêncio para ouvir tudo, menos um ao outro. Se farejavam, atarraxavam os corpos com as mãos, riam, brigavam, voltavam, sussurravam o universo e mundo interno, tudo o que está dentro e tudo o que está fora. E tudo o que não é. Horas, dias, semanas dentro do quarto se pegando, apegados. Quando ela tirava os pezinhos com calor para fora do lençol ele voltava a cobri-los de frio. Os dois à flor da pele. Se olhando, se vendo, se reparando, como se quanto mais olhassem, mais bonitos ficavam, mais interessantes se tornavam, mais gostosos pareciam e era só a desculpa para recomeçarem outra maratona corporal.
Dois atletas, eles. Um par de bichos atrás do próprio entendimento, da fome do outro, do instinto de se aproximarem e se morderem, sensoriais, compulsórios, inatos.
Naturais.
Obs. : esta é uma história real, em que um cara se encantou pela garota que nem queria dar match no app de encontros. Eu escrevi a história deles pelo meu projeto Cartas de Amor, que escrevo a história das pessoas sob encomenda! Casais, pedidos de casamento, histórias de pais para filhos e de filhos ara pais, amizades e tudo o mais. Quer saber mais? Vem ver no site do Cartas de Amor como funciona.