Acabou a pilha do vibrador | Do Amor #149
Chegou do trabalho já pra lá das nove. Pediu a benção para o pai e a mãe, paparicou por uns minutos o Salgadinho, vira-latas que reinava soberano no sofá menor e foi banhar-se. A água morna era um conforto, o dia fora terrível, projetos desandando, a calça sempre gasta entre as coxas finalmente cedeu e voltou para casa com um buraco no meio das pernas. Jantou recolhida no chão da sala para não estorvar a ocasião já estabelecida, a cara dos pais e do cão iluminadas pelo azulado e rosáceo claro que vinha da televisão. Só que estava cheia de amor para dar. Ao rés do chão, via-se impaciente roçando a lateral dos pés sentados em posição de índio no apetitoso áspero do tapete.
Vagou até seu quarto feito fantasma para matar os detalhes do fim de noite, separar a roupa do trabalho do dia seguinte, escovar os dentes, talvez ler um pouco. Mas algo a puxava para a não conclusão das tarefas, como se o diabo dançasse dentro do seu corpo moído do dia puxado. Deitou-se e sentiu a cama quente, uma frigideira tentando sem sucesso convidá-la para o sono. Deu dez minutos, vinte e cinco, e não conseguiu dormir. Escutou os conclusivos passos dos pais em direção ao banheiro e ao outro quarto no final do corredor. A fresta que separava o chão da porta do quarto dela denunciou que finalmente os velhos tinham também sido entregues ao merecido repouso. Enfim, o incômodo do silêncio passou a auxiliar sua inquietude. Quanto mais exausta sua carcaça confessava estar com a morosidade dos movimentos e a densidade da respiração em puxar o ar e soltá-lo segundos depois, mais sua cara padecia em ardências, uma quentura existente também na palma das mãos e na parte de trás dos joelhos. Entendeu que, sem se presentear antes, não dormiria naquela noite. Uma siriricazinha rápida anularia o impedimento de sua conexão com o sono buscado. A pontinha do travesseiro ou mesmo os dedos lhe dariam prazer, mas urgia a utilização de seu brinquedo para que tudo acontecesse mais rapidamente, era ligá-lo, no escuro mesmo, e dois minutinhos seriam mais que suficientes, naquela vontade que crescia, para que gozasse. Levantou-se no breu do quarto e a longitude já conhecida pela distância de seu braço alcançou a gaveta. Saiu, então, de lá, uma cápsula vibratória lilás constituída de uma pequenina peça oval ligada a um fio que transmitiria os comandos de um controle remoto simples, um pedaço de plástico fixo com uma esfera que determinava até oito velocidades. Era tiro e seria a queda. Traria veloz o júbilo para seu corpo e descansaria. Só que o maquinário encontrava-se preguiçoso, trabalhando sem vontade, avançando sem o ímpeto. Aumentou as velocidades e nada. Sem tremeliques, deu um leve chute depois mais dois. E morreu.
Ainda sem sair debaixo do lençol, deu com as costas dos dedos uns cascudos acarinhados contra o aparelho. Nada. A pilha havia abandonado o vibrador e o tesão dela. Era aquilo. Estava fadada a ir dormir sem dar umazinha. Mas àquela altura, já sensibilizada, dormir na vontade seria um problema ainda maior, passaria a semana toda de olhos abertos. Acendeu a luz do quarto, tornou a vestir o shortinho do pijama que, faceiro, encontrava-se amarrotado disfarçando-se entre a bagunçada roupa de cama. Abriu o compartimento das pilhas, remexeu os palitos metálicos. Nadinha mesmo. Extenuada e na falta. Era hora de botar a cabecinha para funcionar e encontrar a solução. E atinou-se na melhor saída ou, ao menos, a que tinha para aquele momento. Trouxe da sala as pilhas do controle remoto da tevê. Foi e voltou com passos de bebê arteiro. Enfiou as alcalinas no orifício, sugou todo o ar do cômodo como se quisesse trazer a certeza para junto de si e apertou o botão. Seus olhinhos cansados brilharam juntamente com a pecinha vermelha que avisava do perfeito funcionamento da máquina. Apagou a lâmpada, atirou-se com seu melhor amigo sobre o colchão e nem se cobriu. Pressionou o utensílio estremecido na pontinha que mais gostava e foi levada aos céus. Gozou. Lambuzou-se sem percalços, sorriu um riso genuíno de dever cumprido na escuridão, virou-se de lado colocando os joelhos para frente, as duas mãos sob o travesseiro, a posição fetal que precisava para dormir bem.
Na manhã seguinte, despertou não com o agradável assobiar do alarme no celular, mas com seu pai despejando pesados passos no corredor. "Mas quem é que tirou as pilhas do controle remoto aqui?".
O que a gente não faz por amor?