Ser prioridade de alguém só é agradável enquanto discurso idealizado | Do Amor #175
O título deste texto é uma cópia quase que exata do tuíte do amigo Doni reagindo aos escritos da imagem abaixo: "minha posição favorita é quando me colocam como prioridade".
Agora, vamos lá: tenta se imaginar, aí no conforto do seu lar (ou no desassossego do chacoalhar atarantado do busão, meus melhores sentimentos, amiga trabalhadora, amigo trabalhador) você sendo prioridade na vida de alguém. Vá lá. monta a cena aí na tua cabeça. Eu te ajudo. Namorando, você e o boy, tu e a gatinha, nós e nossos setecentos e doze amores. A gente chega em casa e a pessoa amada, que nos colocou como prioridade, vai parando tudo o que tá fazendo por nossa causa, por motivo dessa nossa chegada. Desliga o videogame, para de escutar música. Se tivesse um rabinho, se aproximaria com ele abanando. Nos lambe a cara, digo, toca a nossa face com lábios perfumados, sussurra quase ronronando que tá bem feliz com a nossa chegada e que não perdemos por esperar até o jantar ficar pronto. As mina que tão lendo já estão indo à loucura, o cara lavou varreu a casa, acendeu vela de maçã e canela, disse que já pode escolher o que ver na Netflix que hoje ninguém termina de ver filme nessa casa?
Só que, voltando do banho e, mais ainda, acumulando-se os dias, toda vez que você chegar na calmaria do lar, lá estará a pessoa, te esperando, pronta para dar atenção para você. Ela não tem novidades para te contar, tava atarefada pensando em você. Não vai te recomendar o disco novo do James Blake, comentar contigo que, se as igrejas tocassem "Say what you will", ela até voltaria à missa. Vocês ririam muito e deus castigaria a ambos. Vocês terão filhos se você quiser, pedirão comida se você estiver afim, ela vai transar contigo, te comer ou te chupar do jeitinho que você gosta e merece. Sem. Um pingo. De autonomia.
Você é a prioridade, lembra-se? Parabéns pela escolha.
O exagero pode parecer burlesco numa primeira olhada, mas a gente cai muito no erro do "cuidado com o que você deseja". Imagina só a responsabilidade de ser a prioridade de alguém, estar sempre à disposição para que o outro possa estar ali para você. Não é nem o trabalho de fazer coisas, mas de se deixar que as coisas sejam feitas pela outra pessoa. Amigos, opinião, vontade de florescer, carreira, estudos, cultura. Pra que pensar quando tudo está posto? Fazer com que você seja prioridade.
Romantizar o amor só dá trabalho.
Vocês se lembram que lá no Do Amor #131, "A narrativa de ser feliz no amor é o que deixa a gente triste com o amor". Pois trata-se do mesmo caminho. Buscar se colocar como prioridade de alguém - o que seria no mínimo enfadonho se não fosse humanamente impossível - é pedir para entrar num open bar de sofrimento. O avesso é proporcional, tentar fazer de alguém a prioridade da sua vida é se desgastar com um troço, um afeto, que não será nunca alcançado. São desejos que não saciam, ao contrário, aprisionam tanto quem tenta cobrir essas expectativas quanto quem acha que é assim que deve ser e que devemos agir. O amor pede liberdade e desafogo, lugar seguro para que possamos ser tortos e errados e incompletos, já que somos todos, sem exceção. O amor pede que a gente se alegre com a vivência do outro, as experiências do outro, ver o outro feliz, com amigos e anseios e vidas e desejos. E se ver importante o suficiente pra que a pessoa queira a gente por perto nessas vitórias e descobertas!
Colocar-se mais como coadjuvante. Sem se anular. Sendo participativo.
Idealizar menos. Amar mais.
E bebam água. Tá fazendo um calor dos diabos.