Eu me chamo Otávio Otávio | Do Amor #203
Sim, foi o nome que eles me deram logo de batismo, com papel assinado pelo escrivão e tudo o mais. Olha, não posso assim falar que tenho lá os detalhes todos na cabeça, os timtim por timtim, porque é que eu era muito pequeno quando aconteceu o acontecido, mas do que reza meu pai e minha mãe, mais os parente tudo lá de casa, é que foi assim. Quando meus pais começaram a namorar, trataram logo foi de arranjar problema e ele, o meu pai, engravidou minha mãe. E assim os dois casaram, se gostando muito, mas antes da hora certa que podia ser, tudo a mando do meu avô paterno e custeado pelo meu avô materno. E tão logo eles passaram as núpcias e o casamento de fato começou, lá tava eu prontinho pra chegar no mundo, todo redondo no buchinho bonito da mamãe.
E eles tinham que me dar um nome.
O papai gostava bem de umas alcunhas fortes, Paulo, Mateus, Samuel. Mamãe, que não era tão cristã assim pra ficar de moleza com os nomes que tavam na Bíblia, queria era a riqueza dos letreiros de cinema. Marlôn, Charlês, Robért.
Daí já viu. Deu foi briga. Ele queria uma coisa e ela queria outra. E deram de discutir. Era um tal de nome pra cá e nome pra lá, voando junto com os copos da casa, que até os pais deles, os meus avôs materno e paterno, tiveram que intervir. Sentaram os dois na cama, cada um de um lado, que nem eles fossem dois fedelhos, e resolveram a pendenga. “Olha”, disse o vovô, o pai do papai: “vocês dois vão pensar cada um num nome sem falar nada pro outro. Tá proibido esse assunto de nome aqui dentro dessa casa até a bendita da criança nascer. O menino vai ter dois nome, cada um dado por um de vocês dois, e pronto. Acabou-se essa discussão”.
Só que cada um queria ser o primeiro a dar o nome. Como papai não queria nome de ator e mamãe não suportava designativos lá da igreja, mais uma vez meu avô teve que colocar cada coisa em seu devido lugar. “Pois. Não vai valer nem nome religioso e nem nome de galã”. No dia de registrar, a gente joga uma moeda pra cima e decide, e só ali naquela hora, quem vai falar o primeiro nome e quem é que vai falar o segundo”. E foram-se as semanas passando inquietas, sem um pio sobre como é que eu ia chamar. Nessa toadinha até o dia em que eu nasci.
Enrolado nos paninho que vovó bordou, sem inicial alguma porque nome eu ainda era proibido de ter, foram os dois mais os pais deles, meus avôs de lado de pai e de lado de mãe, até o cartório. E lá, dinheiro pro alto, deu coroa, a mamãe ficou de falar a escolha dela primeiro. Só que eles estavam tão felizes que resolveram parar de briga e relevar juntos o que escolheram, assim, podiam decidir qual ia na frente de qual de acordo com a melhor sonoridade. Papai, como não podia dar nome de santo, escolheu sua segunda maior paixão depois da mamãe, o futebol, e me deu o nome em homenagem ao Otávio Souto, um grande meio-campista da história do América do Recife. A mamãe, que ainda tinha as mania de achar que elegância tava no show business, escolheu me dar o nome do cantor preferido dela, o Pete Dunaway, um daqueles cantores dos anos setenta que tinha nome de estrangeiro, cantava que nem estrangeiro, mas era brasileiro. E, na verdade, o nome dele era Otávio Augusto Fernandes Cardoso. Então ele, o meu pai, queria botar meu nome de Otávio, e a minha mãe escolheu meu segundo nome, Otávio.
Prazer. Otávio Otávio.