Quando a vida não lhe sorrir, compre um varal novo | Do Amor #205
Só sabia dizer que era algum lugar entre Garganta e Graças a Deus, na Bahia. Rodava sentido Ilhéus quando o caminhão parou no atoleiro e não saía nem com reza brava. Rolou no barro, ralou na lama, sacolejou a boleia com todo o vigor, pra lá e também pra cá, e nada de o caminhão andar. Só sujeira acumulada e tempo desperdiçado. Teria de esperar.
Na cabine, deu uma olhada nuns papéis amassados no porta-luvas, ligou e desligou o rádio, tentou bater uma punheta pra abafar o tédio, mas estava sem ideias eróticas. Seu pau caía pelas tabelas e ainda não era nem meio-dia. O sol o aborrecia, os pelos grossos no peito amontoavam-se com o calor, fabricavam ligas de suor, uma engenharia que empapava a frente de sua camisa bege de mangas curtas. Abriu um botão e depois outros dois. Sem a bata, tornou a descer do caminhão. Olhava de um lado, praguejava de outro, chutava os calços que tentava fazer com pedras e tocos e, com as mãos na cara, rogava aos céus e pedia à santa mãe a remissão de quaisquer pecados que poderiam tê-lo colocado naquela moléstia. “Ô, provaçãozinha dos infernos”, proferia com a boca toda enrugada e chacoalhando o punho fechado na direção do argiláceo.
De cócoras na traseira do Mercedes-Benz, um LP 321 1973 todo laranja, fitava uma poça qualquer. Em vez de o reflexo do céu, enxergava apenas a Cidade Nova toda iluminada na noite quente, aquele bafo bom vindo do mar e o jogo do Sport passando na televisão do porto. Queria só chegar a tempo de ver a peleja da Ilha do Retiro. Se bem que, do jeito que tava ruim pro lado dele, era até bem melhor ver jogo nenhum pra não respingar seu caiporismo momentâneo no coitado do Sport Club do Recife, e ainda fechar o dia desastroso devendo caixa de cerveja pra algum dos seguranças lá do cais. Imagine só a lambança maior que a dessa geringonça atolada no meio do nada. Jjá devia uns três fardos pro Clodoaldo lá em Salvador, aquele branco safado que gostava de machucar puta de beira de calçada e não tinha nenhum filho de uma mãe pra dar de frente com ele e dizer que ia fazer com a mãe do brutamontes o que ele fazia de maldade com as meninas. E quem é que iria lá se meter com aquele sicário pistoleiro de merda que conhece a polícia todinha e fica de bar em bar somando dinheiro da sinuca, conferindo as fés do jogo do bicho e dando sopapo em mulher?
E ainda teria a Gracinha, sua esposa, que soubesse dessas intimidades do seu homem com esse tipo de sujeito. Ai dele se ela descobrisse que as férias chegavam diminuídas por conta de jogo, deus o livre de passar pela cabeça dela que ele gastava com birita e rameira. Ela já estava com a macaca porque ele não havia consertado o varal e viajou outra vez. A mulher trabalhava de vender boneca de pano na feira e não tinha tempo pra ser dona de casa sozinha não. Tinha duas crianças pra cuidar e ficava com ele a responsabilidade de manter a casa em dia, os móveis ajeitados, a pintura um brinco, garagem varrida e varal sempre em ordem. O filho e a filha, logo o casal todo, estavam também doidos da cara com o pai que lhes prometeu doce de banana na lata e não levou.
“Diabo”, pensou coçando a cabeça e com os lábios dentro dos dentes, como se chupasse a boca toda pra dentro. Tava ruim com todo mundo. Vai ver tava tudo certo ele estar naquele aperto. Do mato da beira da estradinha saiu um matuto. Deu a volta no caminhão, observou o trabalho paliativo do caminhoneiro, leu a placa e soltou um melado “tá triste, pernambucano?”. Ainda agachado, apontando com as duas mãos pro atoleiro, o motorista devolveu: “mas ué, não tá vendo não?”. O jeca riu um riso sem dente. “Mas tenha calma, homem. É bom quando tá tudo ruim que aí só tem o que melhorar”. Tirou o chapéu em saudação e seguiu pro outro lado, adentrando no mato de novo.
Realmente, agora só tinha que dar certo. A primeira parada chegando em Ilhéus seria comprar um varal novinho. De dar gosto.