O último date com ela | Do Amor #206

O Neroli Sauvage que eu espirrava dos dois lados do pescoço e no ar, uma borrifada à minha frente para arremessar meu rosto contra o sabor etéreo e cítrico do perfume extremamente caro estava à altura daquele date. Seria o nosso último.

Eu conheci a Camila jogando a bundinha linda que ela tem pro alto no meio da pista, como se a vida dela dependesse daquelas arrebitadas. Depois, a vi enfiando dois dedos na torta de uma amiga pra sentir o gosto de caramelo que ficava bem lá dentro da sobremesa, experimentando o gosto da vitória por entre as falanges delgadas, retilíneas. Foi dali que passou a depender o meu sossego: conhecê-la. Avancei sem pestanejos, a gente se abraçou e rodopiou na balada e na rua, de madrugada, martelando nossos dorsos contra postes e paredes, disputando nos beijos violentos quem teria mais pertinácia. Ela me venceu todas as vezes, mastigava meu lábio inferior, enfiava os dedos dos pés descalços na minha boca sempre que a gente se encontrava em algum quarto de hotel ou no carro dela, em alguma carona. Ficamos amigos de maneira instantânea, ela me levava às festas dos amigos dela e no ​bar mitzvah do priminho que morava no mesmo prédio que ela. Quando ela roubou umas caixas de cigarro na conveniência perto do trabalho dela, foi lá em casa que ela guardou os pacotes e eu tinha total abertura pra levar pra rua alguns maços quando me faltavam. Quando a gente trepava de pé, não era incomum a gente terminar se abraçando, ela tinha a mania de rir estranho e engraçado meio esganiçado quando a tremedeira final levava um pouco mais de tempo. Então eu a enlaçava pra dar apoio e a gente se abraçava uns bons segundos.

Claro, não era sempre que a gente transava, o que não nos faltava eram noites no balcão ou no chão de tapete verde da casa dela trocando memes pelo celular e confessando nossos medos de morrer assim, de sopetão, de ter como vizinho no andar abaixo do nosso algum senhor neonazista. Quando ela enchia a lata de vinho, mas não dançava pra suar os excessos, era de praxe em algum momento o desatar a chorar daquela figura poderosa que ela botava para as pessoas verem, ficava de cara inchada, corria para o banheiro para limpar os ranhos. Ela foi a primeira garota que enfiou o dedo no meu cu.

Daí que na semana passada passada ela tinha me mandado mensagem avisando que precisava falar urgente comigo e, quando nos encontramos no café perto do trabalho dela, a garota tava com a cara toda rosa me contando de soslaio que daquela vez, era pra valer, que ela tinha encontrado alguém, que estava apaixonada, repetia com a voz entrecortada, uma mistura de empolgação e vergonha de dizer aquelas palavras pro grande amigo que ela fez na noite e ao mesmíssimo tempo pro cara que comia ela duas, três vezes na semana. Ficava limpando a mesa com a manga da blusa e me encarava com olhos saltitantes, irrequietos na tarefa de identificar como eu absorveria aquelas informações todas. E eu fiquei, claro, radiante, segurei os ombros dela para que toda a minha alegria retivesse as inseguranças dela. A Camila me contou como o conheceu, a quantas andava a relação deles, os divertimentos do cara que tava fazendo minha melhor amiga se apaixonar perdidamente. Fiquei aliviado que a gente torcia para o mesmo time. E que ele também tinha na casa dele uns livros do Mircea Cărtărescu. Depois, mais leve, e já no terceiro café, ela contou que ele ia pedir ela em namoro. Ela tava sacando, e ela me confessou que iria dizer sim. A gente se abraçou, pedi pra ela me manter informado das alegrias dela e, no fim da tarde, ela mandou novas mensagens falando que ele havia chamado ela para sair na noite seguinte, que, então, aquela seria a última provável noite dela como mulher solteira. "Se a gente vai ter uma última foda, vai ter que ser hoje". Então eu tomei banho, passei meu perfume mais caro e vesti a camisa que ela mais gostava de me ver usando, uma de linho, meio creme trespassado por listrinhas azuis bem fininhas que ela dizia me deixar com cara de gigolô coitado. A gente saiu, a gente trepou, ela enfiou os dedos dos pés na minha boca e os dedos das mãos no meu cu. A gente rodopiou e dançou e eu fiquei com a correntinha favorita dela no pescoço.

Dois dias depois, ela me apresentou o Bernardo, namorado dela.

Jader Pires