Aff, tão gostoso ser trouxa… | Do Amor #207
E lá foi ele, Fusca verde abacate recheado de amor. das janelas explodiam centenas de balões gordos em formato de coração, todos cintilantes, refletindo a cara de espanto das pessoas que reparavam naquela assombrosa locomoção apaixonada. No banco do passageiro, Joel deixava com que o vento estapeasse seu rosto de labrador, a pele repuxando para trás com o vigor do vento que parecia não se derreter com a prova da paixão do Joel para com sua namorada, chamada carinhosamente por ele de "Muma", as iniciais da princesa Mumtaz Mahal, imortalizada na Índia pela edificação que leva seu nome, o Taj Mahal. Inclusive os falantes do veículo verdume entoavam a voz inebriante de Jorge Ben Jor e seu tê tê tê têtêretê que ainda se fazia ouvir mesmo ele já tendo virado à esquina duas ruas adiante.
Data especial não tinha não, o aniversário da Muma já havia passado, o dia dos namorados também. A vontade do joel que extrapolava no presente exótico era só do coração pra fora, desamoreceu pela manhã entupido de desejos, foi a necessidade de botar no mundo de maneira visual, auditiva e no cheiro que o perfume do carro deixava no ar sua adoração pela princesinha mais linda da Vila Maria. Queria poder descer e beijar as pessoas para que toda a gente sentisse nos lábios o deleite de conhecer o espetáculo de mulher que ele amava. Pedia para que o motorista do Fusca apalpasse a buzina de forma lasciva, despertando o querer nos poros de quem esperava o ônibus na parada e quem estivesse esperando na fila do açougue para comprar um quilo e meio de colchão mole. O moço que media a água no prédio, as senhorinhas da loja de cacarecos, era para que todos soubessem: o Joel é que tinha tirado a sorte grande. E tava lá, a carruagem arredondada da paixão percorrendo as ruas em direção à morada da Muma. Era para parar em frente à garagem dela, tocar as duas canções favoritas da moleca, esperar ela descer e tocar a terceira canção, já com ela desacreditada na rua, mãos na boca de batom, os pés tremelicando no salto alto, prestes a cair nos braços do Joel para bailarem juntos a melodia do carinho, Luiz cantando Pérola Negra devagarzinho, o imperativo cremoso dele para que escrevesse gigante "eu te amo, eu te amo". Joel se considerava o homem de mais sorte entre os mais sortudos dos homens.
Chegando, finalmente, ao destino derradeiro, desceu do carro, esperou que a noiva descesse, dançaram na rua, chamaram os vizinhos, a criançada do quarteirão de trás vieram correndo ver a barulheira toda que se criava e gritaram atarantadas quando os corações infláveis subiram ao céu faceiros, desviando dos fios dos postes, alcançando a estratosfera. Os olhos do homem eram duas jóias reluzindo a ternura e a veneração por sua amada, a primorosa Mamu, entregue ali em toda a sua inquietante delicadeza.
Do outro lado da rua, um senhor comentou: "olha lá o trouxa", como se todo aquele escarcéu fosse alguma espécie de desperdício, dinheiro e tempo no lixo. Seu vizinho, encostado no portão, deu as costas e voltou para dentro de casa dizendo baixinho para o corredor que o levava aos fundos: "mas ah, tão gostoso ser trouxa".
Só uma pessoa ali naquele evento estava sem a razão.