Assalto, ok. Mas me comer mal, não dá | Do Amor #221
Antes mesmo de eu entrar no ônibus, agora pouco, o pior aconteceu. Uma, duas, a terceira bipada foi derradeira e matadora em seu anúncio: "recarregue os fones". Fiquei sem música, bem no meio do excelente disco novo da Jessica Pratt. Me encaminhei pesado como um morto até o penúltimo banco do lado direito, claro, o flanco constantemente atingido pelo sol do meio dia. Enfiei os óculos escuros na cara, a letra de Life Is na cabeça, "porque eu posso sentir que minha sorte mudou tudo". Lá estava eu, caído em desgraça. Me restou usar os ouvidos para outra coisa. Quando desceram algumas pessoas, ficou mais fácil distinguir o que era palavra e o que era ruído. O encosto meu tinha um furo que incomodava-me o toque, fazia eu me remexer de quando em quando, como se estivesse dando um aviso ao furo inoportuno de que na próxima ele veria só. Atrás de mim, nos últimos assentos, havia duas garotas, joviais, iluminadas pelo mesmo sol que me castigava. Não tinham querência alguma de não se fazerem escutar. Riam juntas, apontavam para a tela do celular de uma delas, cruzavam e descruzavam as pernas de calças largas e tênis desamarrados. Elas cheiravam a chiclete de tutti frutti. Ponto de parada vai, ponto de parada vem, minha atenção se focou, então, na conversa das duas.
"Eu tava lá no bar com ele, e tava legal. Mas foi tudo bem rápido, né. A gente trocou uns beijos, eu conheci os amigos dele. Mas daí não fui pro motel com ele não", uma comentou.
"Ah, eh difícil sair assim, direto com um estranho, né? E o medo de ser assaltada, sei lá.", ponderou a amiga. "Cara, eu tava era com medo de o cara meter mal. Conhecer assim e de cara já sair, sem conversar melhor, sem bater o tesão primeiro aqui na cabeça. Vai que o cara não transa bem".
A outra desenvolveu conclusões em silêncio, mastigando sua goma de mascar e perfumando o corredor do ônibus. E completou: "assaltada, ok. Mas foda mal dada não dá". As duas meio que mexeram devagar e delicadamente as cabeças, um pouco para cima e um pouco para baixo, numa afirmação conjunta.
Eu, bamboleando em meu encosto, achei bem justo.