Passou dias com os cotovelos metidos no colchão do quarto, de luz apagada e ouvindo qualquer disco velho com as músicas já decoradas para não atrapalhar sua própria atenção. Queria pensar em como seria.
Depois de tanto tempo, ia rolar. Já tinha tempo, desde o começo do primeiro ano, que ele admirava o jeitinho com que ela prendia o cabelo na primeira fileira da sala. Perdia toda a explicação nas aulas de química, mas não deixava de tentar reparar cada detalhezinho da cena que se repetia todos os dias. O jeito com que a manga da camiseta descia quando os bracinhos dela se levantavam, em como os fios mais fininhos que ficavam perto da nuca escapavam o puxar dos cabelos para terminar de fazer o rabo-de-cavalo e como depois ela batia com os indicadores na ponta da franja para que não ficasse em cima dos olhos.
E ela passava a prestar atenção na aula. E ele prestava atenção nela enquanto mordia a tampa da caneta.
E ela riu das piadas dele, começaram a frequentar a mesma turma na hora do intervalo e até chegaram a pagar o lanche um do outro na camaradagem. Mas demorou lá quase os três anos finais para que ele tomasse toda a coragem pra chamá-la pra sair. E ela disse que sim, que iria adorar ir no cinema só com ele.
Depois da sessão, antes de ela subir no ônibus para ir embora, ela deu um beijo estaladinho na boca dele e agradeceu a pipoca.
Foi bem diferente do que ele imaginou, e mais gostoso do que ele poderia esperar.
Antes de ir embora, ele comprou o pôster do filme para pendurar no quarto. Queria sempre lembrar daquele beijo toda vez que olhasse para a foto.
Duas semanas depois ele chegou em casa tomado de raiva e rasgou o cartaz em picadinhos bem pequenos, depois que viu ela beijando outro amigo do mesmo jeito estaladinho.
O barulhinho ficou ecoando na cabeça dele o dia todo.