Humanos de novo

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Precisamos reacostumar nossa mente para lidar com os seres humanos. Olha só como fizemos uma cagadinha ou duas no decorrer da nossa história. 

Se liga. Tem um cara que trabalha como caixa no mercado perto de casa. Pensa numa fileira de registradoras, todas elas com pessoas treinadas e gabaritadas para fazerem aquele tipo de função e, para além disso, desempenharem um comportamento condizente com a narrativa criada pela empresa, pelo mercado em si, podendo ser algo mais ligeiro no atendimento ou com a voz mais empostada e elegante, educadamente oferecendo crédito no celular, sacolinha, adesivos da promoção de facas ou das panelas. Sacou o esquema, né. Aqui em São Paulo ou em Itapipoca-Mirim, você receberá o mesmo serviço, a assistência treinada e padrão. 

Um pé no saco da porra. Facilita, mas ainda assim, uma chatice. 

E daí que nesse mercado perdicasa tem um caixa que é meio destrambelhado. Fora da casinha, sabe? Pois bem. Ele tem já mais idade, sessenta e alguma coisa, um pino a menos, um parafuso que precisaria apertar. Com isso, ele troca ideia com quem tá comprando coisas, elogia produtos adquiridos, fala dos óculos que ele precisa trocar, chama o troco com aquela voz grossa dele como se chamasse a saideira pro garçom no bar com os amigos mais íntimos. Uma delícia. Bagunçado que só, mais atrasado que os outros, comumente com uma pessoa ou duas torcendo o nariz, querendo só sair daquela fila, desejando ir para casa. Normal, rotina pesada, “eu só quero a lasanha congelada”, essa coisa de falar quando tá digitando a senha do cartão deve ser um absurdo de difícil.

Mas, cacete, esse homem tido como meidoido faz com que nos forcemos a reacostumar com o contato humano, com o processo falho, com as engastadinhas da vida, com sorrisos, com papinho furado, com o tempo mais lento, mais lerdo, mais preguiçoso. Toda vez que o vejo no caixa, eu dou um sorriso meio sádico pensando “agora eu quero ver geral surtar” e fico prestando atenção nas reações peculiares com quem lida com ele, das deliciosas respostas agradáveis, das despretensiosas atenções ao que ele fala, dos que se atrapalham todo com o fingir ouvir o que ele diz e enfiar rapidamente os produtos na sacola para se ver bem longe de lá.

A gente só precisa se habituar, de novo, com o contato humano. Deixar errar, deixar a fluidez falhar, prestar a atenção um dedinho mais.

Nada demais. Nada de especial.

Ver alguém só sendo ela ser um fato a se espantar é o que deveria nos deixar espantados.

Jader Pires