A ajuda
No caminho, achou alguém. Já estava há dias percorrendo o acesso que supostamente terminaria no santuário. Precisava ter com o santo, lhe fazer uma proposta. Passava os dias jornadeando com a cabeça a pensar na singeleza do dito “a caminhada é longa, mas os passos são pequeninos”, conselho que a amiga lhe passou quando ela saiu em afobação com a cara para a estrada. “Vai com calma, mulher”, ouviu quando a distância já quase não permitia a visão uma da outra.
Na direção que o peito ordenava, ponderava como poderia se aprochegar para pedir o que queria ao beato. Da última flor do lácio só sabia as palavras mais miudinhas, as mais ágeis para dizer o que se quer falar. Não tinha lá instrução, sapiência, o domínio da linguagem para mimosear o sacerdócio com a circunspecção dos cultos. Levava consigo só a certeza de querer fazer promessa de se dedicar às boas causas e mais nada.
No caminho, o chão era tão vermelho e o céu estava num amarelo tão profundo que destacava no olhar a árvore solitária de tronco negro feito fim de noite, umas folhas roxas como o luto. Debaixo dela, a mulher decidida a selar seu destino. Magra, descalça, com os olhos cinzas e o nó da corda nas mãos, ela parou de fazer o que estava fazendo quando ela parou de andar para onde estava andando. Ambas congeladas em suas obras, conectadas apenas pela falta de mundo em volta delas.
A mão chegou a esboçar movimento demonstrando ajuda, mas nada disse e nada fez. Conseguia reparar nela a violência, o cansaço da guerra. Tocá-la não seria ajuda, mas outro abuso, mais um excesso. Ela também conhecia esse cansaço, o esgotamento. As duas, sem trocar nomes ou relatos de experiências pessoais, ambas tinham o conhecimento da história uma da outra, passaram pelos mesmos entraves mudando, no máximo, uma peça ou duas. Não precisavam verbalizar. Todas enfrentam a mesma fatalidade. E cada uma, a sua maneira, estava em busca de solução.
De lá da estrada, sem avançar um passo na direção da árvore, ela disse: “volta, dona. Morrer não vale a pena não”. E seguiu.
E a outra foi atrás.