A camisa nova

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Voltei a usar camisas. Depois de um período de fadiga após anos de banco, vi com bons olhos a retomada do colarinho e dos botões, agora fazendo valer as minhas ambições de elegância, e não mais os protocolos de compostura e recato de um funcionário da casa bancária.

Fui até a loja e comprei uma que nem de longe recordaria quaisquer das funções corporativas, mas o oposto, uma engomada bonita e florida, vinho com motivos douradinhos, estilosa, provocante, vistosa. Experimentei, mandei ajustar, fui buscá-la depois de uns dias e estava no jeitinho para ser vestida e usada. Rumei com minha nova camisa para o trabalho e recebi elogios. Bonita, ficou bem em mim, eu devia usar mais dessas. Tudo muito bom e tudo muito bem.

No dia seguinte eu era de novo um comum. Camiseta e bermuda, o escritorzinho que todos estão acostumados a conviver. Nenhuma congratulação, zero expectativa para tal e outro dia se passou, como todos aqueles que já perdemos. Feliz de não fazer parte da realeza que vive de congratulações e hosanas. Otros dias viriam com a mesma normalidade, eu gostando bastante das minhas combinações vestuárias, mas sem nenhum apretecho novo que causasse a quebra do que é tranquilo, do comum. Até que, na semana seguinte, lá estava eu, de novo com a mesma camisa.

Novas análises, mais qualidades positivas associadas à peça que, consequen-temente, respingavam em mim. Bonitão, chique, refinado. “O Jader só vem com essa camiseta pra deixar a gente com inveja”, ouvi. E aí me chamou a atenção, não a graçola, mas o fato de tanta atenção chamar o mesmo adereço, a mesma danada camisa. Ela não é, acreditem, fora do comum, tão aconchegada no meu corpo a ponto de merecer estudos e nem tem gola ou estampa assinadas, diferenciadas. Não sou eu que fico garboso quando me enfio na lindeza dela, nada disso. A questão está na exclusividade que ela tem no meu guarda-roupas. Se eu aparecer com outra camisa no dia seguinte, no mês próximo, provavelmente ganharei mais gracejos e bons comentários. Alternando as duas, já começa a dar resultado, ambas perdendo, gradativamente, o caráter especial. Com três na gaveta, cinco, uma em cada dia da semana, rapidinho e acaba a festa, termina o pagode.

É tipo o amor, mas podendo escolher o tecido.

Jader Pires