A cidade que não era

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Tóquio, a capital do Japão, não existia. Quero dizer, a cidade nunca esteve aqui, de fato, até antes de eu chegar. Consegue seguir meus passos até essa conclusão?

Depois de ler o maravilhoso clássico do italiano ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis, tudo ficou bem claro pra mim de que as coisas não existem até estarem de fato em nossas cabeças e na nossa memória. Esses prédios que ando vendo não estavam aqui até eu olhá-los, as ruas não se conectavam umas nas outras formando esse emaranhado de vias e ruelas. A megalópole não estava, o bairro aqui onde me encontro, antes, não era.

Quando cheguei de viagem o que eu tinha era limbo em frente aos olhos. Me faltava aquela calmaria segura de voltar do trabalho para casa e simplesmente chegar onde se queria, eu necessitava do remanso no peito de saber que lá na esquina estaria a lavanderia que eu passaria a conhecer depois de passar por ela, indo e voltando, até saber reconhecer seu cheiro antes mesmo de vê-la. E daí quem fez Tóquio fui eu sozinho, colocando cada mundaréu de coisas aqui no cocoruto até estar tudo nos conformes.

Faz uma semana que cá estou e agora é só esse conforto estranho de ver de novo tudo aquilo que sempre se vê. Saio do prédio que estou instalado e sei que a escola fica à minha esquerda e que, algumas quadras nessas ruas pequeninas que me encantam, vai ter o mercadinho vinte e quatro horas onde compro meu café da manhã todos os dias, cada dia um suco diferente com escritos japoneses, uma espécie de roleta russa de sabores, e um pão doce qualquer. Como isso tudo haveria de estar aqui sem mim? Essa Tóquio que me envolve e me abocanha? Para a direita, há a avenida que vai dar no metrô mais próximo. Disso agora eu sei. Antes não tinha esse conhecimento porque não tinha nada disso para se conhecer em meu cotidiano. 

Sacou?

Eu precisava me avizinhar, perceber que o famoso cruzamento de Shibuya não é tão monstruoso assim para que aquilo de fato existisse, olhar a vitrine das lojinhas, parar de frente para os grandes prédios, cruzar com pessoas e ter as pequenas epifanias de elas são complexas demais para ser de um jeito ou de outro jeito, são humanas demais para apontamentos e estereótipos. Eu fiz que fiz até tirar aquela Tóquio que não era para essa que agora é. A Minha Tóquio.

Meu dia a dia que tá construindo tudo isso. Se não fossem esses primeiros convívios, o Japão seria só mais um punhado de fotos. E ainda o é, já que o que tenho é parte disso. Quioto ainda não é, Osaka e Nara e Yohohama ainda não são. Tóquio não era.

Agora é.

Jader Pires