A ditadura da ereção

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Trabalhadores de todo o mundo sexual, uni-vos! Se eu tivesse que discursar sobre isso, começaria minha retórica com essa frase de impacto, aguçando e esparramando de vez a catarse dos camaradas calados pela ditadura da ereção.

Essa tal ditadura, com o maior esforço para não associar nenhum trocadilho, provoca um ciclo tão perfeito quanto aquele estipulado no livro 1984, do inglês George Orwell, em que o “Partido” decretava que “quem controla o passado, controla o futuro e quem controla o presente, controla o passado”. Vivemos em um tenso momento em que todo homem se vê na iminente situação de ser eternamente viril e caçador, sempre disposto sexualmente e mentalmente livre de quaisquer impeditivos para a cópula.

“Todo homem tem a obrigação de dar seus préstimos sexuais quando assim for solicitado”, reza a lenda que percorre saltitante o imaginário coletivo. Todo homem tem que estar com o pau ereto para ser o macho alfa, o caçador no ápice da cadeia alimentar do amor. Dessa forma, ele não consegue enxergar que se encontra, com juba e tudo, dentro de uma jaula que delimita toda a sua liberdade de fazer e querer as coisas em seu próprio momento. Quanto mais ele mostra os dentes, mais a cauda se levanta, deixando toda a sua região traseira desprotegida. E é isso que o “Partido” quer.

O Gustavo Gitti, já anteviu essa derrocada masculina no texto “Cinco crenças que nos deixam batendo cabeça”: “Por mais que alguns descartem a necessidade do casamento, a maioria dos homens ainda deseja uma princesa encantada. E pior: se esforça para se tornar um príncipe encantado, o que hoje em dia significa ser viril, forte, engraçado, culto, rico, iluminado e... com pegada”. Estamos perseguindo algo impossível e sendo perseguidos por isso, pela constante cobrança da eterna ereção.

Mulher diz que não. A gente aceita, diz “que é doce”. A mulher se cansa, se estressa, pega trânsito. Nós, homens, não tomamos esporro no trabalho, não batemos com o dedinho na quina do pé da cama, o nosso time não perde nunca. Temos sempre a obrigação de manter em pé o nosso... orgulho de macho e prover às nossas queridas fêmeas o doce prazer carnal, aconteça o que acontecer. Dizem por aí que “a man gotta do what a man gotta do” (um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer). Concordo.

Mas acontece que temos que fazer o que temos que fazer pelo prazer de ser o varão requisitado para o momento e não pelo decoro de cumprir uma tarefa que deveria ser o melhor dos momentos. Entende como a linha é bem tênue? Como ela se molda de acordo com o nosso olhar, para ser cada vez mais curva e sedutora, feito aquelas ancas que tanto rebolam pra ganhar a nossa atenção? Essa linha forjada que transforma o nosso dom natural em tópicos a espera de uma assinalada com tique para mostrar que o trabalho foi feito (e nem sempre, por conta disso, bem feito).

Novamente: não estamos formando homens birrentos que negam sexo ou que esperam o momento especial para transformar uma bela foda em algo mágico. A denúncia parte do princípio de que há um aumento considerável no número de homens que metem por meter, que fodem como quem segue uma receita de bolo: massa, recheio, cobertura, bate tudo, bota pra assar, deixa descansando e corta pra comer. Ou alguma leitora daqui há de discordar que o que tem de macho seguindo o roteiro de beijo-tapinha nabunda-papai e mamãe-cigarro e sono não é brincadeira?

Rapaz: trepar por trepar, fazer sexo para agradar a ditadura da ereção é fazer do seu pau um instrumento tão abominável quanto supérfluo. Assim que o "Partido" for abaixo, o mesmo acontecerá com o seu pau.

Largue mão, amigo homem. Não se deixe levar pelo apelo da elite oligárquica do sexo apressado. Não se desvie do caminho ao ouvir um “Como assim não comeu?”. Permaneça sempre fiel ao teu único amigo de todas as horas, já partindo do princípio de que a frase ficou completamente entendida.

Se eu tivesse discursado sobre isso, após sentir todo o clamor da nação que fervilhava na esperança de júbilos sinceros e envoltos em liberdade plena, eu terminaria a minha oratória parafraseando um dizer que teria muito, mas muito a calhar: "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás".

E tenho dito.

Jader Pires