O acaso
A melodia era familiar. Da boca dele ela saía em forma de um assobio fracote, daquele que não queria ser cantado, só se deixava acontecer. Apenas três notas diferentes, “fiu fiu fiu”, e já dava para saber qual era a música. Claro, nós já cantamos desses versinhos muitas vezes em outras festanças, noutros recreios. Só que a vida segue e há muito não nos vinha no auto falante. É até normal. A gente ri com ritmos novos, letras nunca cantadas vão chamando a atenção.
O que importa é que dava pra lembrar, mesmo baixinho. E me pegou de jeito, puxou meus ouvidos feito fumaça de comida boa em desenho animado. Pouco antes, coisa de meia hora, pipocou lá no meu Facebook uma notificação. Era um vídeo engraçado dos anos 80, um programa matinal desses para crianças em que um grupo musical se apresentava. Estava endereçado à mim e outro amigo que trabalha ao meu lado. Comentamos, rememoramos. Eles cantavam uma música engraçada e dançavam uma coreografia amadora, descompassada. Tudo muito engraçado. Passamos semanas, talvez meses, preciso admitir, revendo a gravação, uma vez atrás da outra, imitando de modo jocoso os passinhos e tudo o mais. Era perto da hora do almoço quando o amigo me mandou a lembrança. Não precisei clicar. Estava tudo guardado na cabeça. Fui almoçar com um pequeno sorriso no rosto.
E qual foi minha surpresa inicial ao perceber que, depois da volta, era essa mesma canção que saía dos lábios do cara que estava sentado à minha frente no trabalho. Do mesmo jeito que o vídeo não assistido acertou em cheio minha memória afetiva, aquelas três notas apertaram o mesmo botão, “fiu, fiu, fiu”. Eu cantei o trecho que ele estava soprando, ele me olhou e seguimos juntos mais uma trova. O amigo ao lado se juntou a nós. Rimos, claro, o gracejo foi retomado por alguns instantes, o suficiente para ficarmos contentes. Nossa amiga, ao lado, também participou da zombaria e foi ela a botar em palavras: “nossa, eles dois estavam falando dessa música agora mesmo”.
A casualidade nos espantou por alguns segundos. Mas aí me veio a realidade dos novos tempos. Acabei com a farra ao ligar os pontos no melhor estilo Sherlock Holmes, na elementaridade de lembrar que tudo o que fazemos é denunciado na timeline alheia. Acontece que apareceu na linha do tempo dele que “Jader Pires foi marcado no vídeo de”. Claro que ele viu. Deu play com seus fones de ouvido e reviveu aquela época saborosa em que a gente gargalhava da apresentação. Somos todos amigos, estamos no mesmo saco. Todos os dias.
A rede social que acabou com as coincidências.