A vaidade
Escrevi recentemente sobre o corvo que veio até a minha casa. No dia seguinte, recebi um e-mail muito bonito de leitora, a Michele (um beijo!), falando que havia se afeiçoado de cara com o texto só pelo título, que fazia lembrança direta com o famoso poema do autor, poeta, editor e crítico literário americano Edgar Allan Poe, em inglês, The Raven.
Meu texto nada tinha de similar com os versos do escritor de horror, mistério e macabro (apesar de ter aquela carga escabrosa de asco e abominação, mas por outros motivos), mas engraçado que a alusão é clara. Eu mesmo, ao colocar o título na crônica, me lembrei de imediato das palavras iniciais eternisadas na pequena obra do Poe: “Em certo dia, à hora, à hora / Da meia-noite que apavora” e por aí vai. Na cabeça, o bigodinho e os olhos mortos em atenção, o cabelo desgrenhado, a cara de quem tava precisando desesperadamente de um abraço.
O corvo. Cara, é um pássaro comum, não se trata de nome próprio e nem de marca apropriada. Teve o filho do Bruce Lee que morreu em cena sendo um corvo, enfim, o que era pra ser algo expansivo é, por força maior, uma poesia eternizada, importante, decorada por muitos fãs do Poe.
E daí passei a pensar. Cliquei feliz no botão de responder e agradeci à Michele por ter segurado uns minutos do dia pra vir falar comigo e que tembém, ao escrever, o fiz com o mesmo literato em mente, que havia me intrigado o fato de ser automática a relação palavra, obra e autor, o tamanho todo que a coisa ganhou, cento e setenta e tantos anos depois e ele, Edgar Allan Poe, detém poder pleno sobre uma palavra.
Claro que o próximo passo foi ei começar a imaginar se, algum dia, eu conseguiria um vocábulo só pra mim, se eu seria lembrado na mesma hora só de lê-lo. Podia ser uma palavrinha mirradinha, corvo não é lá um palavrão. Mas a importância é enorme, a escrita se sobressaiu a própria definição da palavra. Não é mais um bicho. É poema. Não junta bico com pena, mas “Abro a janela, e de repente, vejo tumultuosamente um nobre corvo entrar, digno de antigos dias”. Será que eu também seria capaz de me eternizar em uma palavra? Será que algum pedacinho da minha obra conseguiria ser condensada em um só termo, com essa facilidade, com essa precisão?
O nosso ego faz cada vontade besta, né. Depois de mandar o e-mail de resposta eu fui lavar a louça. Lá, lembrei que Mila me lembra na hora do cantor Netinho.
Como eu fui dormir tranquilo.