A versão dele
Imagine só, a apresentação mundial do Jibo, o robô-assistente que viria para revolucionar a maneira com que vemos a nossa própria vida, moldado para nos servir, capacitado para armazenamentos diversos, inteligência multidisciplinar para nos auxiliar de forma precisa com a nossa agenda e de nossos familiares e próximos profissionais, lembrando-nos das coisas mais importantes nas horas mais estratégicas, zelando pelo conforto do nosso lar, ajustando temperaturas e luminosidades, tendo o cuidado de constantemente fazer pequenas avaliações de dados da nossa saúde com detalhados exames à distância, um acompanhamento fraternal e caloroso.
Todos no grande salão, gravatas e saltos, câmeras instaladas um zumzumzum sem fim de pessoas importantes conversando sobre o tão aguardado lançamento, conjecturando detalhes de pequeno e longo prazo, da interligação que poderá ser capaz de aproximar ainda mais o mundo e as pessoas umas das outras. Taças com espumantes sendo distribuídas, um jazz meloso, bem do brega, fazendo fundo sonoro, umas garotas de feições orientais com vestidos mais curtos que o necessário, o velho constrangimento machista para mais um avanço da tecnologia.
E lá vem ele, o robô que todos ansiavam conhecer de perto. Luzes fortes em cima da carcaça esbranquiçada e esmaltada dele. As palmas prosseguidas do silêncio, o CEO da empresa fazendo uma graça, o telão de led mostrando animações do novo produto, algumas interações dele com pessoas bonitas demais, modelos contratados para a encenação, todas as features que o Jibo traz consigo e melhorias que serão disponibilizadas em breve para atualização de seu software. O êxtase toma conta do lugar, a massa de espectadores delira, tiram fotos, compartilham detalhes do evento em suas redes sociais. Daí é hora de ligar o danado do robô, mostrar como seu sistema operacional se inicia, a espera pelo que ele, o Jibo, vai dizer. “Olá”, a voz metálica previamente gravada cumprimenta a todos.
Sucesso. Lá está, diante dos olhos de todos, o futuro. O CEO da empresa interage com ele um pouco, faz umas brincadeiras, arranca sorrisos e sustos da plateia. E pede para ser instalado ali mesmo um adendo, um pequeno chip com informações sobre a história da humanidade para que o andróide possa justamente começar a mostrar a que veio, de fato, com potência máxima, para que o arroubo seja completo. “Ele precisa saber de onde viemos e como chegamos até aqui para poder ser um de nós”, gaba-se o dono da porra toda.
O utilitário vai lendo o relatório, adquirindo conhecimento, acumulando dados, cruzando estatísticas, sacando qual é a nossa. E daí o azul vivo que ilumina o que seria seu rosto, como se fosse seu olho, um grande olhão índigo fica avermelhado, como se a leitura estivesse travando, como se os elementos estivessem truncados. E, de repente, a tela se apaga, todos estranham, no lugar do azulzão do olho, aparece um círculo anil meio leitoso, apagadinho, sabe, como se, antes mesmo de começar, o Jibo já quisesse ver o fim. A máquina rotaciona alguns graus para a esquerda, gira para a direita com um pouco mais de velocidade, avança pelo palco até cair, pela lateral, em cima de um espelho d’água decorativo. Quem estivesse ali poderia jurar que o autômato tava querendo era cometer suicídio.
Se eu fosse um robô, não ia querer conviver com os humanos não.