A volta
Como se nada tivesse acontecido. Ela sempre prometeu trocar a fechadura do portão, mas quem diz que na hora do desespero a gente lembra de cumprir promessa? Quatro dias sem notícia alguma. De novo.
Sumiu. Saiu de casa falando que ia comprar cigarros (isso dava nela ainda mais raiva só pelo clichê. Chegava a achar que ele fumava só pra usar essa desculpa pra botar ódio na cabeça dela) e não deu mais as caras. Cama gelada à noite, a louça ainda empilhada toda suja na pia. E nunca soube do paradeiro dele quando acontecia de ele dar essas sumidas. Tortura, retórica boa, argumentação contundente. Nada era o suficiente para que ele dissesse onde ia.
Malandro. Safado e pilantra. Quatro foram os dias de ausência. Mas voltou. Ela chegou em casa e lá estava ele na sala com os pés na mesinha de centro, chinelos no chão, um copo no braço do sofá e os olhos na televisão. Disse oi quando a viu. Chegou a levantar de leve um dos braços como se a convidasse para se sentar com ele.
“Que filho da puta”, era de se pensar. Já tinha todas as perguntas, dezenas delas, organizadas na cabeça por ordem de importância, de narrativa. Mais uma vez. Não adiantava bater, não aguentava mais discutir, pressionar. Não havia, nunca, bafo de cachaça ou batom na camiseta. Ele dizia não ter amante e nem que estava cansado dela. Dizia sempre que, assim mesmo do nada era acometido por um ímpeto de sair e um medo de voltar. E não voltava até voltar.
Vagabundo, madraço, vadio. Como acreditar numa ladainha dessa, num relato mais incompleto, mais sem pé nem cabeça? E ele jurando que era verdade. Repetindo que já tava de volta. Que tava tudo bem.
E o braço meio levantado chamando ela pra um colo.
Ela respirou fundo, apertou os dedos contra as palmas das mãos fechando os punhos. E foi. Sentou nas pernas dele e deixou seu corpo fazer peso no corpo dele.
“Que cheiro gostoso. Trocou o shampoo?”, ele perguntou. “Uhum”, ela devolveu antes de pegar o controle remoto da mão dele e colocar na novela.