Certo errado
No prédio onde eu moro não tem porteiro. A entrada é composta de um portão de ferro que impede a passagem, caso fechado, para um espaço de dois degraus entre ele e a entrada de vidro. Uma espécie de umbral do Edifício Dona Milca. Apertou o botão e, voilà, você passa o limiar de vidro e tá dentro do prédio. Simples assim.
Acontece que essa segunda fronteira, primeira para quem tá saindo e precisa passar por ela antes de acessar o portão de ferro, tava com o dispositivo elétrico que trava e destrava quebrado por um bom tempo. Coisa de meses. Às vezes prendia e muitas vezes não prendia, girava em falso, dava um migué, sabe, fazia o barulho de trabalho concluído mas não, tava lá folgadão abrindo e fechando normalmente. Ok, um pouco de segurança a menos, mas a gente se acostuma, né, fica habituado rapidinho com a nova condição. Deu uns bons dias e eu passei a entrar direto empurrando a porta de vidro ou puxando com velocidade caso quisesse sair. Aquele vapt-vupt no jeitinho brasileiro de ver vantagem em tudo. Se tá quebrado, ao menos eu entro e saio de casa mais rápido.
E o tempo passou.
Até que por esses dias eu quase dou com o nariz na vidraça. A porta estava travada. Apertei o botão e abriu. Assim. Empurrei a aparelhagem que tranca contra a parte que trava e “cleque”. Segurou e não soltou mais. Na manhã seguinte, ao sair escolhendo as músicas pra tocar no fone de ouvido e levei aquele tranco no braço tentando puxar uma abertura emperrada pelas engrenagens de segurança. Apertei o botão e “cleque”. Tudo destravado. Caminho livre.
A segurança havia voltou ao Edifício Dona Milca, enfim, só que tirou minha facilidade ao perpassar aquele pedacinho. Que dor. Ando sofrendo para me acostumar com o nofo fato, para me adaptar à nova antiga realidade.
O que ficou disso hoje mesmo, neste dia em que estou escrevendo mais um texto aqui, é de como nos aclimamos nas tretas da vida e, de vez em quando, até vemos vantagem nisso, sofrendo quando algo melhor acontece pela educação errônea, pelo simples exercício do incorreto.
Agora para por uns minutos, só uns pouquinhos mesmo, pra tentar encaixar essa lógica em algumas realidades do nosso cotidiano. Trabalho. Relacionamentos. O jeito como transitamos nas ruas, de carro ou em cima da bike, caminhando com a necessidade de atravessar cruzamentos e faróis. A política nacional, a cultura violenta da polícia militar, se você dorme de bruços ou com a barriga para cima.
Quanta coisa certa tá errada?