O doce santo
De comer ajoelhado. Por motivos de força maior não posso revelar nome e nem fornecer mapa do local. Coisa de desígnios divinos, sabe? Mas o que importa é a descrição a seguir.
Fantasie aí qualquer lugar minimamente bonitinho de luzes num amarelo gracioso, confortável. Mesa e cadeiras, claro, garçons bem aprumados mas nada chiquetosos não, era mais simpatia que goma nos uniformes. Tudinho bem-posto, cortininhas nas abóbadas, quadros com motivos abstratos, filete d’água caindo num canto, nas pedrinhas, barulhinho bom. Traçou ai na cabeça? Pois bem. Era exatamente como estás pensando porque, para cada pessoa que entrava, o estabelecimento se moldava de acordo com o peculiar olhar do freguês. Era um lugar em cada mente.
Chegamos lá por milagre, era uma terça de tráfego intenso e não havia cristo que chegasse nos lugares desejados. O Waze, aquela coisinha de deus, acabou que mandou a gente pro lugar certo fazendo umas linhas tortas. Enfim, iríamos comer e isso nos deixou nas nuvens. Estávamos a Lili, um casal de amigos, a Camila (um anjo de menina) e o Ed (o garoto é um santo), e eu, rezando para que tudo desse certo.
A comida em si estava um pecado, peixe à vontade, vinho à beça. Conversamos gostosamente sobre as provações do trabalho, a salvação da vida pela arte, o livre arbítrio do nosso egrégio cotidiano. Tudo muito bom, tudo muito bem, como haveria de ser. Sorrisos, alma renovada, fomos à sobremesa.
“Amigo, que que tem na carta de doces?”. O garção chegou sem livreto algum, só com o bloquinho de anotações e convicção. “A gente só tem uma sobremesa só”. Se tem algo que eu aprendi nessa vida foi perdoar os que não sabem o que fazem. Como assim só uma única opção como pospasto? Dei a outra face e perguntei qual era a guloseima monodietista. “Se chama Menino Jesus”, ele me respondeu com plena paz de espírito. E quem seria eu pra não aceitar o sacrossanto drope, a vinda do pequeno messias em forma de açúcar e confeito?
Bobos, vocês e eu, por pensarmos se tratar apenas de um melado, um bolinho, só um caramelo pra arrematar a ceia. Meus irmãos, minhas irmãs. Aquilo estava acima do bem e do mal. Aquela coisa subia aos céus da minha boca, era pai e filho e espírito santo e eu mastigava e me arrependia de não tê-lo amado acima de todas as coisas antes, eu pegava mais e na minha cabeça eu gritava “aleluia! aleluia!”. Levei as mãos ao alto e agradeci. Chamei por mais três vezes.
Quanto deu tudo? Trinta moedas.