O Jesus preso

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Olhando para os próprios pés, sentado no banco de pedra da cadeia, Jesus via dedos machucados e um par de sandálias sujas de barro e sangue. Com o corpo mais frio, lhe doíam as costas das pancadas que levou dos soldados e ardia, por baixo do curativo, o ferimento que teve na parte inferior do tórax, da lança que o perfurou na hora da fuga.

Sem pai e criado por um marceneiro que se casou com sua mãe, quando criança ele ia aprendendo o ofício e também se tornaria ebanista, mas lhe parecia pouco o trocado da assistência na profissão e aos treze anos Jesus sumiu. Aos trinta e três, voltou para a Cidade de Deus, bairro da periferia de Manaus, com fama de rei dos reis. Cabelos longos, sobrancelhas arqueadas e pensativas, andava pelas ruas de terra ajudando os pobres, contando histórias aos desfavorecidos e angariando confiança, prometendo ao povo a riqueza dos santos. Pegou fama e logo os soldados metropolitanos botaram os olhos nele.

Patrulhado, verificou-se que Jesus andava com mais doze. Foi fácil encontrar o elo fraco que, mais uma vez, daria com a língua nos dentes, ressentido por não ter sua importância no grupo prevalecida. Foi ele quem disse que era de liderança e autoria de Jesus todos os doze casos de furto de igrejas registrados no curto espaço de tempo entre a chegada do rapaz e a confissão do rancoroso. O plano, dos mais simples, era de arrombar as sacristias e levar pertences dourados, pratos, taças, caixas e até um esquife levaram da paróquia em frente à praça. Jesus tinha um contato com contrabandistas que levavam os objetos furtados de barco pra Colômbia, Venezuela, Macapá e Belém.

Pois a tocaia foi armada e Jesus foi pego quando tentava escapar da capela de Nossa Senhora Mãe. Na madrugada escura, ao tentar pular o portão que cercava o santuário, perfurou o peito e ficou preso. Junto com ele, um comparsa também foi detido, mas negou conhecer Jesus por três vezes.

Levado à delegacia e preso em flagrante, esperava o desenrolar da papelada policial sentado no banco gelado de cimento da cela. Cabeça baixa, descruzou os dedos das mãos e olhou para suas palmas, gastas e cheias de machucados. Um buraco em casa uma delas. Num súbito de amargura e desesperança, jogou as duas mãos para o alto, olhou para cima já com lágrimas nos olhos e disse em voz alta, para quem quisesse ouvir: “Pai, me perdoa! Eu não sabia o que tava fazendo!”.

Ninguém lhe respondeu.

Obs.: Este conto foi inspirado na notícia real do Jesus que foi preso na Cidade de Deus por furtar igrejas.

Jader Pires