Pelado no mercado

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Sim, trata-se de uma metáfora, mas das mais propícias a serem analisadas aqui nesta newsletter.

Eu moro perto de um supermercado. Vou comprar coisas que preciso durante a semana andando mesmo, e volto também na caminhada. Coisa de dois minutos. Nem isso. Talvez mais que isso.

O ponto aqui é outro. Como a coisa toda fica bem fácil pra mim, o ir e vir de lá, acabo comprando poucas coisas de cada vez e trazendo tudo sem a ajuda de uma sacola, já que aqui em São Paulo ainda se precisa comprar sacolas de plástico e eu esqueço sempre os sacos de pano que dormem tranquilamente há meses em uma das gavetas da cozinha. Vou lá, pego meus dois ou três itens, digo pra mocinha do caixa que não sou cliente especial e que não quero recarregar os créditos em meu celular, que não coleciono adesivos para trocar por faca, que não quero sacola e nem CPF na nota. Um dia comum. Uma passada inofensiva em qualquer caixa por aqui.

Daí eu saio levando meus pertences na mão.

Com todo mundo olhando.

Começa aí a metáfora.

Me sinto nu. É como se eu caminhasse pelado pelo corredor da saída, me sinto atravessando a rua com as vergonhas balançando e recebendo críticas complexas dos olhares dos outros clientes e transeuntes, analisando o balançar, a textura, chutando números aproximados de massa e área. Afinal, todo mundo sabe, enquanto faço o caminho da volta, que tô com preguiça e vou cozinhar um macarrão qualquer ou comer sorvete caro em plena terça-feira, que estou esnobe comprando azeite diferente ou então que a minha mulher viajou e vou ficar a semana toda me entupindo de nuggets ou pizza congelada.

Exposto.

Que relação maluca temos com a nossa intimidade, certo? Como quando alguém, entra no carro de alguém com o famoso “só não repara na sujeira, tá todo bagunçado, não tive tempo de mandar lavar ainda”, né?

Ou, mais do que a intimidade, não sabemos bem lidar com ambientes não controlados da nossa própria narrativa? Nas redes, no Instagram da vida, nossa intimidade aparece de modo mais aparentemente mais profundo, mas num ambiente contido, com uma verdade moderada por nós, supostos contadores da nossa própria história. Já em pequenas situações do cotidiano, estamos de fato expostos, abertos a interpretações.

Pois podemos nos acostumar em ir simplesmente pelados ao mercado. Tá certo, não pelados. De camiseta. Camiseta e a cestinha com uns biscoitos, uma maionese, um saquinho de agrião.

Quem não gostaria de ter essa história pra contar?
 

Jader Pires