Ele foi na suruba sozinho, e queria que fosse todo mundo | Do Amor #69

Ele não sabia ao certo como domar as duas línguas que, ao mesmo tempo, entravam curiosas em sua boca no beijo a três. Estranhou mais ainda quando sentiu a barba do marido delas lhe provocar uma pequena coceira, primeiro nas costas e depois na nuca. Era muita novidade ao mesmo tempo, mas, num ato de fé, ele mergulhou na história e terminou todo lambuzado.

Transou, só naquela noite, com cinco mulheres e dois caras. Apertou e foi apalpado, deslizou por camas e poltronas, se deixou arrastar até um corredor completamente escuro para não ver, só sentir. Machucou e saiu ardido, não se parecendo em nada com a figura que, horas antes, esfregava as mãos suadas no tecido de dentro do bolso da calça tentando minimizar o nervoso.

Sentado no banco traseiro do carro, buscava espairecer com a distorção colorida que os faróis faziam na janela salpicada de gotas da chuva. Não quis a água oferecida pelo motorista e nem respondeu quando foi perguntado da melhor rota.

A entrada suntuosa o fazia parecer menor do que realmente era quando desceu do carro e seu rosto ficou alaranjado com o reflexo do letreiro do lugar, o Hot Lounge - Casa de swing e bar liberal. Entrar num desses locais com intento solo era caro e bem arriscado, ainda mais sendo homem. Ele recebeu as dicas de uma amiga do trabalho, que o que não faltavam nesses locais eram os metidos a machão, dados a varão mesmo, comedores, e que "todo mundo deixa esses tipos de lado, porque a ideia da casa é outra, a motivação das pessoas e casais lá é diferente". Foi essa colega que foi explicando, de pouquinho pra ele na volta do almoço, como operava a cultura da troca de casais, da suruba, das festas em que todo mundo que frequenta tá atrás de sexo e putaria. "A brincadeira lá corre solta, mas é preciso esse ar de segurança, uma calmaria", ela comentava com ele. "As coisas lá acontecem em outra frequência de tempo e espaço". Depois de muito contar e perceber o interesse nos olhos dele, ela lhe prometeu acesso em um desses eventos, contando que ele seguisse passo-a-passo as normas e convenções que ela iria ensinar.

Passou a reservar parte de seu salário para ir nesses lugares, a mando dela e lá, pagava de santo. Precisava agir como se tudo fosse familiar, comprar uma bebida cara, transitar sem olhar muito ao redor, como se estivesse caçando ou algo assim, deixar que um contato acontecesse para ajudá-lo a se "enturmar". Depois de uma dúzia de vezes, uma mulher chegou batendo a taça dela na dele e dando oi. Logo em seguida, apresentou-se como amiga da amiga do trabalho e o levou para conhecer também seu marido e a outra esposa dele. Foram duas horas e um tantinho de papo e joguinhos até a confiança se instalar entre os quatro e ele se ver na situação de lamber as línguas delas ao mesmo tempo, enquanto sentia seis mãos dançando pelo seu corpo. 

Trepou, mordeu, uivou e grunhiu. Foi ordenado e obedeceu como um bom menino, como precisa ser. Espalhou suor e saliva, trabalhou com a resistência de um soldado patriota, cumpriu seus deveres, mereceu suas medalhas.

E foi embora. Sem ter dado telefones, sem saber o nome de ninguém. Lá fora, já sem precisar dos decoros e requintes, perguntou para o manobrista onde tinha uma lanchonete boa pra comer. Seu estômago estava implorando por comida. Caminhou as três quadras com certo apuro, sentindo fatigada a musculatura das coxas e com um dolorido ou dois no peito, nas costas. Sentou-se com a camisa meio aberta e pediu o café da manhã imperial, digno de sua noite, de suas vontades. Não sabia exatamente o que viria parar em sua mesa, mas queria experimentar. De novo.

E enquanto consumia pedaços vultuosos dos itens da bandeja, foi tomado pelas sensações, pelo entusiasmo que havia sentindo, as texturas novas, a necessidade de aprender a controlar a respiração em meio ao caos sexual, à desordem erótica. 

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Ia devorando o que sua mão alcançava da mesa e, enquanto mastigava e empurrava tudo para a garganta com goles de suco, foi contando na cabeça como havia sido a noite, repassando como se estivesse comentando com os mais chegados. Queria muito contar pra todos eles. Cogitou a possibilidade de que seus amigos o repreendessem ou nem acreditassem, que eles provavelmente zombariam dele pela experiência "nova demais" para o gosto deles. Mas queria contar mesmo assim. Se colocou mais à frente, com expectativas de namorar alguém, uma garota que se interessasse pelas coisas dele, uma namorada que pudesse desenvolver esse ímpeto de participar de outra brincadeira com ele, que ela poderia, de início olhar de longe. Parou para imaginá-la fazendo aquelas estripulias todas com outras pessoas, a carinha dela gostando de ser consumida por uma multidão, ela pedindo mais, sumindo na sala escura não sem antes olhar para trás, para ele, com um sorriso genuíno na boca. Ele parou para olhar suas mãos engorduradas e arrotou um ar desoprimido. Satisfeito.

Pagou a conta e deixou uma gorjeta generosa para o garçom.

Quem sabe o amor é um querer oferecer sem fim.

Jader Pires