Não espere o amor chegar que ele é preguiçoso | Do Amor #113
Ele estava no 6b. Chegou tinha três dias e se hospedou lá na casa do primo que está de férias. Sozinho e sem conhecer a cidade, especialmente naquele dia ele se sentia sozinho. Queria estar em casa, no interior, matuto, tranquilo com a namorada que terminou com ele. Mas ela ficou lá e começou a viver as coisas dela e ele estava aqui, no prédio, no sexto andar, empacado na vida, olhando o lado de fora da janela do apartamento e tentando entender porque tanta gente escolhe viver junta, apertada e uma em cima da outra, acendendo luzinhas e apagando luzinhas, cada uma em um cômodo, cada uma em um andar, mas todas assim, solitárias, como ele e a lâmpada da sala que, para alguém lá fora, era só uma luzinha também.
Estar longe de quem se quer estar perto faz a gente pensar coisas assim.
Enquanto ele zanzava entre banheiro e quarto, no 5b, ela escutava o caminhar do morador de cima mas não ligava. Deitada no corredor do apartamento, ela não queria dormir e não queria assistir televisão, mas tampouco tinha energia para sair e conhecer alguém novo, estava de saco cheio de sempre gastar atenção conhecendo caras que, uma semana ou duas depois de bons sexos e conversas extraordinárias, versões covardes desses mesmos caras aparecessem tímidos e com olhos baixos falando que precisavam de espaço e careciam de ver amigos e que não seriam mais corriqueiras as saídas juntos até sumirem como faz todo babaca que não sabe ter uma conversa minimamente aberta com uma garota.
Então ela ficou pelo meio do caminho mesmo, costas no chão gelado do corredor, luzes apagadas, passos abafados vindos do andar de cima, uns gemidos. “Alguém deve estar vendo pornografia”, pensou sem mexer um músculo, olhos fechados, imaginação buscando uma imagem, computador ligado, alguma cena bem brega com uma bunda enorme subindo e descendo, um escândalo, nenhuma ligação real entre ator e atriz, a frase “a crise brasileira também é estética” automaticamente toma a cabeça dela. Mas o silêncio retoma seu lugar. Depois voltam os passos abafados. Ponderou que a inquietude lá em cima deveria estar tal que nem uma punheta estava ajudando. E ela estava também inquieta, mas optou pela letargia no corredio para acalmar o peito.
Ela no quinto andar e ele logo acima, no sexto. Colados. E completamente distantes. Ela jamais subiria para perguntar se estava tudo bem com ele e ele não estava em condições de sair e procurar uma boa companhia, não achava que a cidade grande lhe daria isso, mas só golpes, bebidas caras, pessoas esnobes. Ela tinha carinho para dar, gostava desse ceder, e ele era carente, lhe fazia bem ganhar afagos, era bom em escutar, poderia receber os pensamentos dela, encaixariam bem, poderiam fazer um bem mútuo, tinham tudo para dar certo.
Mas ele estava no sexto andar e não no quinto. Ela estava no quinto e não no sexto. E eles não se encontrariam nunca. Ela vai passar o final de semana todo entocada e ele vai embora na segunda-feira.
O amor é cego, surdo mudo e preguiçoso. Não vai depender dele não.