Acabou. | Do Amor #100
Os dois já deitados na cama antes da meia-noite. Foi um dia normal da semana mais normal. Tudo normal. Jantaram uma salada de folhas e pedaços de manga e aqueles abacatezinhos pequenos que ele chucramente achava brega chamar de "avocados". Ela foi correr na esteira do prédio, ele jogou um videogame de cueca. Tomaram banho conversando, um se lavando e o outro lendo as coisas do celular sentado no vaso com a tampa fechada.
Normal.
Já tinham mais de oito anos juntos. Dez, se contar o tempo em que se pegavam despretensiosamente. Tinham, já, se embrenhado com costumácia nas intimidades um do outro, nos entendimentos da vida que só o tempo de casa nos dá. Tinham completa consciência dos pensamentos, dos cheiros, da maneira com que ela gostava de ser mordida nas costas quando ele a pegava virada na hora do sexo ou como ele tinha uma metodologia quase doentia para cuidar do corte das unhas do pé: pegava uns minutos no sábado à tarde para aparar tudo com aquela tesourinha pequena e curva, sentado pelado na entrada do banheiro, atrapalhando a passagem, sempre jogava os restos dos cascos na privada e geralmente se esquecia de dar a descarga, precisando tomar bronca atrás de bronca quando ela ia se sentar para mijar e via aquele restolho boiando na água.
Normal.
Na cama, ela viu uns stories de pessoas bonitas em trajes mínimos fazendo coisas que ela gostaria de fazer em lugares que ela nunca poderia bancar para estar enquanto ele travava uma batalha contra a procrastinação para seguir lendo o livro que todos haviam adorado, mas que tava meio travado na mão dele. Ela de calcinha, ele de pijama. Ela de bruços, ele se forçando a segurar o romance no alto, mas quase deixando cair em cima da cara. Ela comentou da novela, ele esboçou planejar o final de semana. Deixaram o silêncio impregnar a cama dos dois.
Até que ela colocou o telefone para carregar e virou-se de lado, cotovelo no travesseiro, mão segurando o rosto redondo. Com a outra, passou a unha pintada na gola da camiseta dele, como se o desenhasse. Botou os olhos na atenção falha que ele dava para a narrativa das páginas, sorriu e suspirou. O filme da vida que se passa quando a gente acha que vai morrer correu na mente dela. "Cê tá feliz?", finalmente perguntou e também finalmente fez com que ele parasse o que estava fazendo para encará-la de volta. "É isso que você quer? Assim?".
E decidiram se separar. Sem muita conversa. estava tudo ali, há um pequeno tempo, mas escancarado. Não era uma ruptura. Não uma surpresa. Precisava, apenas, ser verbalizado. Não. Eles não queriam mais. Não assim.
Normal.
Deram um abraço apertado e foram dormir.
Acabou.