A gente fica bem é quando tá iludida mesmo | Do Amor #103
Conheceu ele na situação mais estranha possível: Foi levar a amiga que passava mal por excesso de bebida para tomar soro no hospital e, quando foi sair do banheiro após lavar as mãos sujas dos jorros da colega, esbarrou com ele no corredor de espera.
Contou, já que tinha de esperar a mediação da amiga mesmo, do susto e do tanto de tempo que não precisava safar alguém que tinha passado mal por culpa do álcool. Confessou que estava bêbada também, mas que o susto cortou todo o barato. Achou fofa a maneira com que ele apenas escutava suas lamúrias e percepções, sem nem ter contado o porquê de ele estar também no aguardo da emergência. Trocaram telefone. Três semanas depois estavam se pegando no banco do carro dele, uma esquina antes do prédio da casa dela. E que potência. Saiu toda descabelada e ficou brincando com ele por mensagens dizendo nos dois dias seguintes que estava com dificuldades para se sentar.
Foram ao cinema juntos, engalfinhados na sala escura e também no banheiro de um restaurante que escolheram metodicamente por ter o reservado, bem, de fato, em uma área bem discreta da planta do imóvel. E se pegaram lá também. Estavam adorando essa coisa de fazerem coisas comuns e terminar em sexo feito na urgência, no tudo ou nada. Fim de tarde no parque, do lado da churrasqueira do prédio dele, na casa da amiga dela, aquela que passou mal e uniu os dois. Estavam confortáveis nesses papéis e tinham combinado de manter o que tinham como entretenimento. Jogavam prosas com graça e duplo sentido nas mensagens, marcavam de se ver, transavam, confabulavam a próxima escapada da vida comum e repetiam a dose. Café com boquete, saída da aula de yoga com cachorrinho no chão da sala, ainda suada e mole da aula, e assim por diante.
O sorriso dela transbordava nesses dias. Caminhava radiante e estava se achando no ápice de sua criatividade, sempre mandando novas invenções do que podia fazer com ele, ideias essas que eram recebidas com entusiasmo do outro lado, com melhoramentos ou detalhes de como agiriam para realizar mais aquela aventura. Isso até ela o chamar para ir na casa dela ver um filme no final de semana, ficar por lá alternando filmes com pedaços de bolo na cozinha e sexo com alguns dos brinquedinhos que ela colecionava. Neste dia, ele precisou declinar a proposta para estar em um compromisso inadiável. Desapareceu no final de semana inteiro, sem visualizar nem responder as mensagens dela. Na segunda-feira, reapareceu mais seco, dizendo que tinha ficado doente, que caiu de cama e por isso não deu a devida atenção, mas que estava recuperado para mais brincadeiras. Mas quando marcaram de se ver para ir no motel para que ele pudesse dar nomes para os vibradores que ela tinha, novamente ele deu uma desculpa de que precisava estar em outro lugar. As trocas foram diminuindo, o tesão foi definhando, ela passou a conviver com dúvidas e incertezas, papos mais vagos…
E acabou. Ela preferiu não dar mais sequência para o que estava agonizando. Mas, antes, pediu para ter com ele um tête-à-tête para saber o que foi que fez a parada toda gostosa virar aquele azedo sem fim. E, apertando, ela finalmente arrancou dele a verdade. Quando ela propôs o maior dos desafios, a rotina, ele foi bunda-mole e ficou com medo. Disse não saber se estava preparado para o costumeiro. Ela sentiu secar entre as pernas e preferiu sair antes que a indiferença virasse raiva mesmo. E foi pro bar com a amiga, aquela que a botou cara a cara com o cara que acabara de chutar.
Conversaram, desabafaram, trocaram um abraço sincero e a colega lhe pagou uma bebida. “A que você escolher”, disse, erguendo o copo. Ela comentou que só estava cansada de não ver perspectiva de avançar com nenhum homem. Ou eles eram imaturos ou desinteressantes e, dos poucos que tinham um bom jogo de cintura e estavam dispostos a brincar, se borravam no primeiro “até que você é legal”. E a amiga, leal que era, tentou consolá-la. “Ai, que horrível que é viver uma ilusão, né?”, no que teve de ouvir a resposta, assim, de bate-pronto. “Olha, ruim é a desilusão. A gente fica bem é quando tá iludida mesmo”. E pediu uma bebida pro garçom, na conta da outra.
O amor. É tudo um faz de conta.